Ferramenta de avaliação analítica da qualidade, também conhecida como controle externo, tem uso mais efetivo no laboratório se alguns atributos forem considerados
Para produzir dados confiáveis e consistentes, as rotinas analíticas devem implementar um programa adequado de garantia da qualidade e um processo de monitoramento de desempenho. O Ensaio de Proficiência é uma dessas rotinas. É uma ferramenta de controle de qualidade eficaz na determinação do desempenho da fase analítica do laboratório. Quando utilizada em conjunto com o Controle Interno e uma gestão comprometida com a qualidade, auxilia na promoção do conhecimento dos processos de análise e garante ao laboratório a confiabilidade dos seus resultados.
O Ensaio de Proficiência e o Controle Interno são complementares. Juntos, têm o propósito central de identificar a presença de possíveis erros analíticos, possibilitando ao laboratório a implantação de ações para eliminar as causas desses erros.
O Ensaio de Proficiência realiza um acompanhamento das tendências dos processos (inexatidão), comumente relacionadas a características de linearidade, especificidade, sensibilidade, interferentes e calibração.
O Controle Interno, por sua vez, é realizado em conjunto com a rotina de análise de amostras dos pacientes, com o objetivo de validar os resultados produzidos após identificar que o sistema analítico está operando dentro dos limites de tolerância pré-definidos; o foco é dado em especial à precisão do processo (reprodutibilidade).
Frequência do Ensaio de Proficiência
Como se trata de um controle que monitora a qualidade analítica do laboratório, a frequência do programa deve ser contínua e pode ser analisada sob três aspectos: número de rodadas anuais, quantidade de materiais distintos fornecidos em uma rodada e quantidade de dosagens realizadas em cada material. A multiplicação dessas três informações determina o número de dosagens anuais realizadas. Em programas únicos (de rodada única), elimina-se o primeiro aspecto e, assim, acaba sendo reduzida a qualidade do monitoramento.
Uma frequência apropriada deve ser determinada com o equilíbrio de alguns fatores:
• dificuldade/ facilidade de execução do programa;
• representatividade frente à rotina do laboratório;
• consistência dos resultados frente ao propósito do ensaio;
• custo-benefício;
• capacidade de obtenção do material;
• taxa de mudança dos processos envolvidos (troca de sistema analítico, rotatividade de pessoal, atualização de requisitos analíticos) e
• eficácia do programa.
Uma abordagem focada no risco ao paciente considera ainda se o ensaio envolvido é de alto risco, se suporta decisões clínicas, se é realizado em amostras de difícil ou dolorosa coleta e/ou se não possui bom desempenho.
A prática de intervalos muito curtos entre rodadas, como quatro semanas, pode ser um problema por encorajar o uso do Ensaio de Proficiência em substituição ao Controle Interno, visto que uma rotina controlada não tem a incidência de erro sistemático com uma frequência tão curta. Também espera-se minimamente que o sistema adotado seja mais estável e que as configurações definidas no uso do controle de qualidade interno tenham sensibilidade para identificar mudanças significativas nos processos diários.
Em contrapartida, intervalos superiores a quatro meses podem reduzir o impacto do programa, por demorar demasiadamente a ajudar o laboratório a identificar e corrigir falhas analíticas, o que é relacionado geralmente a erros de calibrações ou manutenções indevidas que podem ocorrer durante esse período.
Reduções na frequência (número de rodadas anuais e quantidade de materiais por rodada) são comumente observadas quando há restrição para obtenção ou preparo dos materiais, ou ainda, quando os custos associados ao preparo do material, à manutenção do ensaio de proficiência ou à execução das análises pelo laboratório são excessivamente altos, a ponto de inviabilizar o programa. Nesses casos, controles alternativos devem ser utilizados para maximizar o monitoramento do processo analítico.
Em resumo, para uma boa avaliação do aspecto de frequência do Ensaio de Proficiência, é preciso ponderar sobre as seguintes questões da rotina: Com que periodicidade o laboratório identifica um erro sistêmico no processo? Com qual constância o processo analítico sofre mudanças quanto à nova calibração, manutenção, novos operadores e outros interferentes?
Quantidade de materiais distintos no Ensaio de Proficiência
Frente ao propósito principal do Ensaio de Proficiência, especialistas têm defendido a importância em abandonar a prática de um único material por rodada de comparação, por não contribuir para a diferenciação de erro aleatório e sistemático, ou seja, a identificação de tendências. Neste contexto, provedores em todo o mundo têm adotado minimamente dois materiais distintos por rodada (em situações com restrições), podendo chegar a cinco materiais em ensaios rotineiros para os quais as restrições citadas anteriormente não se aplicam.
Um único dado não indica a repetição de um erro e não permite estimar ou concluir tratar-se de erro sistemático. Enquanto um único resultado só permite estimar o erro total – diferença do resultado do laboratório e do valor alvo –, a partir de dois resultados pode-se estimar o erro sistemático – média dos erros totais relativos.
O descrito no parágrafo anterior pode ser exemplificado nos gráficos a seguir, que foram construídos a partir de um caso real. Observe o gráfico 1, onde apenas um item é enviado no Ensaio de Proficiência. Tente estimar o tipo de erro (sistemático ou aleatório) presente na rotina e perceberá que teremos apenas suposições.
Gráfico 1
Agora, observe este mesmo desempenho evidenciado no gráfico 2, onde múltiplos itens são enviados no Ensaio de Proficiência e perceba o quanto podemos ser mais assertivos na identificação do tipo de erro presente no processo e nas definições das ações corretivas.
Gráfico 2
Observe que, na rodada 1, olhando o gráfico onde apenas um item de ensaio é enviado, pode parecer inicialmente que não há nenhum tipo de erro evidenciado. Comparando essa mesma rodada no gráfico de múltiplos itens, identificamos um erro aleatório.
Na rodada 2, onde o gráfico 1 pode induzir a uma possível interpretação de erro aleatório, pode-se observar um erro sistemático e a aplicação de múltiplos itens otimiza os esforços de análise crítica e investigação do desempenho.
A rodada 3, com múltiplos itens, evidencia uma grande variação que não pode ser identificada no gráfico de item único; enquanto a rodada 4, no gráfico de múltiplos itens, não mostra desvio significativo frente ao critério do provedor. Conclui-se, portanto, que a aplicação de múltiplos itens enriquece a análise crítica do comportamento analítico das rotinas.
Por outro lado, quantidades maiores de materiais por rodada são justificadas quando se deseja obter estimativas mais confiáveis do erro sistemático, cobrir uma ampla faixa de leitura dentro de uma única rodada ou evitar a previsibilidade de resultados em ensaios qualitativos. Porém, números muito elevados de itens podem encarecer o programa. Medições com mais itens podem ser realizadas em intervalos mais espaçados, como em revalidações, quando há necessidade de refazê-la frente ao que vem sendo observado no ensaio de proficiência e no controle interno.
Periodicidade do Ensaio de Proficiência
Na prática, os programas destinados a laboratórios clínicos e de hemoterapia costumam ser contínuos, com dosagem única (uma dosagem por material), periodicidade de quadrimestral a mensal, somando anualmente de 8 a 15 materiais distintos para cada ensaio. Os provedores adotam um padrão de frequência para a maior parte dos ensaios, mas adaptam esse padrão (normalmente reduzindo ou aumentando a quantidade de materiais por rodada) conforme a realidade de alguns ensaios.
Outro ponto relevante a ser considerado para avaliar a necessidade de grande frequência é a participação contínua do Ensaio de Proficiência em paralelo a outras ações de controle e ferramentas de gestão analítica, como Controle Interno, Calibração, Estudos de Linearidade etc. Tais ações associadas a sistemas analíticos robustos, bem controlados e estáveis (sem mudanças constantes) permitem uma maior estabilidade do processo e um maior espaçamento do ensaio de proficiência, sem prejuízo a monitoração dos resultados produzidos na rotina.
Vale ressaltar que, se o laboratório frequentemente apresenta erros sistemáticos, deve avaliar o seu processo e/ou sistema analítico adotado na rotina, visando ajustes para minimizar esses impactos.
Imparcialidade do Provedor de Ensaio de Proficiência
Outro aspecto a ser avaliado é sobre a imparcialidade do provedor de Ensaio de Proficiência em relação ao conjunto de informações que são avaliadas no serviço, tais como: fornecimento de reagentes, sistemas ou outros insumos relacionados. Cabe ao provedor demonstrar, de forma imparcial, o comportamento do mercado frente aos conjuntos analíticos utilizados pelos laboratórios.
Uma valiosa fonte de informações sobre esses e outros aspectos do Ensaio de Proficiência está disponível no livro Gestão da Fase Analítica do Laboratório – Como assegurar a qualidade na prática (vol. II).