Com a evolução da ciência genômica e o consequente desvendamento do genoma humano, uma gama de novos tratamentos e diagnósticos mais rápidos será possível graças ao entendimento profundo que esta ciência proporciona sobre as doenças mais complexas. Em um futuro próximo, médicos poderão mapear doenças de forma cada vez mais rápida, simples e barata, notadamente o câncer, cujo tratamento será feito de forma semelhante ao que ocorre hoje em relação à AIDS. Talvez não se encontre a cura, no entanto haverá maior habilidade de gerenciamento, bem como novas maneiras de evitá-lo, como as vacinas. Haverá, principalmente, uma tendência cada vez maior para prolongar a vida e, principalmente, a qualidade de vida das pessoas que convivem com esta doença.
O pesquisador inglês Dr. Andrew Simpson é PhD em Pesquisas Clínicas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Médicas de Londres e, desde 2002, atua como diretor científico global do Instituto Ludwig de Pesquisa contra o câncer, em Nova York. Simpson foi pesquisador e membro da filial do Instituto Ludwig em São Paulo entre os anos de 1997 e 2002. Durante este período, coordenou o Projeto Genoma do Câncer Humano dirigido pelo Ludwig e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp. O cientista é, hoje, um dos principais responsáveis pelo reconhecimento internacional da ciência brasileira na linha de pesquisa em ciência genômica, elogiada em publicações estrangeiras e considerada uma das melhores do mundo.
O Entendimento Genômico para o Tratamento de Doenças Complexas
Um leque de terapias a partir do conhecimento genômico está sendo desenvolvido para atuar de forma mais específica contra o câncer e outras doenças complexas. O Brasil tem participação ativa neste processo. A grande contribuição foi o projeto desenvolvido em São Paulo pelo Instituto Ludwig de Pesquisa em Câncer – instituição internacional sem fins lucrativos que integra pesquisas clínicas e laboratoriais para sequenciamento de genes expressos em diferentes tumores – considerado um dos mais bem-sucedidos projetos da história da ciência genômica nacional. Segundo seu coordenador, o pesquisador inglês Andrew Simpson, que hoje é o Vice-Presidente do instituto em Nova York, o Brasil já está testando novas drogas terapêuticas contra o câncer e, em cerca de cinco anos, as primeiras vacinas contra esta doença já estarão disponíveis para uso mundialmente. Veja, a seguir, a entrevista que o Dr. Andrew Simpson concedeu aos leitores do Qualifique.
Qual o impacto da ciência genômica no presente e no futuro da humanidade?
No presente já existem implicações em muitas áreas. Posso dizer basicamente que, conhecendo o genoma, conhecemos o conjunto completo do gene, o que ajuda de forma incalculável no estudo de doenças complexas. Saímos da dúvida se temos a informação completa para trabalhar em um universo fechado, no qual temos todos os dados. A aplicação que eu conheço melhor é a relacionada ao câncer, no qual a base são as mutações somáticas do gene. Ainda há muito o que se descobrir, mas para entender esta doença, é necessário entender suas mutações e hoje já podemos olhar os genes do tumor e identificar os mutáveis, como o gene supressor p53 que provavelmente é o mais mutável em câncer. Quanto mais informação e conhecimento dos genes, mais possibilidades de tratamento. Em relação ao futuro, digo que há implicações sem fim, mas o conhecimento do genoma nos permitirá um entendimento de doenças complexas, o que é fundamental para o progresso do diagnóstico, do tratamento e da prevenção destas doenças.
Desde a descoberta do genoma humano, quais as principais evoluções?
São várias, mas eu pessoalmente acho que o recente descobrimento do sistema de inibição dos genes por RNA foi uma das mais importantes. O sequenciamento dos genes por RNAi é baseado em mecanismos celulares de controle de expressão gênica, inerente às células. A técnica do RNAi, que valeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2006 para seus descobridores, permite anular a ação do gene, como se ele não existisse ou não estivesse mais funcional num organismo. Isso permite ao pesquisador produzir o inibidor de expressão de todos os genes do genoma humano. Trata-se de uma ferramenta de enorme poder para investigar os genes, um a um, de doenças complexas, o que age como um complemento funcional que liga a genética diretamente ao desenvolvimento de novos terápicos. É fácil produzir o RNAi em laboratórios, o que justifica o investimento no desenvolvimento de uma droga inibidora para determinada proteína.
Qual a contribuição do Brasil no entendimento do genoma humano?
A grande contribuição do Brasil, a meu ver, foi um projeto desenvolvido em São Paulo para sequenciamento de genes expressos em tumor. Considero que este foi um dos maiores e mais bem sucedidos projetos da história da ciência nacional, pois permite identificar em uma sequência o que é gene e o que não é, já que os genes são muito fragmentados, pois menos de 3% do genoma é composto de genes. Sem este trabalho teríamos uma sequência inútil para o descobrimento de genes. Além disso, existem outras contribuições mais individuais por parte de pesquisadores no Brasil que estudam o nível de expressão de genes específicos em tumores, por exemplo, como os de câncer de cérebro, mama e cólon. Estas contribuições têm sido no sentido de identificar genes expressos importantes tanto para marcar os tumores quanto para o desenvolvimento de terapias contra estes tumores.
Existem hoje tecnologias disponíveis que permitem a identificação dos genes?
Há técnicas de detecção de genes que já estão inclusive sendo usadas em escala. São técnicas de hibridização. O DNA forma uma hélice dupla por complementação dos nucleotídeos que permite o uso de uma fita complementar para detectar e identificar os genes expressos, o que é a base de microarranjos em DNA. Com os microarranjos é possível medir concomitantemente os níveis de expressão de muitos genes em tecidos sadios e em tecidos com câncer. Eu acredito que uma nova possibilidade no futuro seria passar a identificar os genes com base no sequenciamento. Hoje há uma verdadeira revolução da tecnologia que aumenta em vários níveis a eficiência, permitindo sequenciar 10 mil vezes mais DNA, ao mesmo tempo e ao mesmo custo. Por exemplo, ao invés da análise do tumor por hibridização de genes específicos, será feito o sequenciamento dos genes expressos, o que trará muita informação sobre o tumor e várias maneiras de tratar. Acredito também na viabilidade de uma tecnologia para sequenciamento de genes para o laboratório clinico, automatizada e computadorizada, altamente padronizada que permitirá ao patologista auxiliar na proposta de tratamentos. O cientista definirá cada vez mais como perfis diferentes de frequência de genes expressos em tumores podem influenciar a seleção correta de tratamentos, o que nos sistemas computadorizados para diagnóstico permitirá resultados como, por exemplo, a indicação de tratamento com Herceptin dada a alta expressão dos genes de células doentes.
As terapias genéticas já podem substituir ou ser opção ao tratamento onclógico por quimioterapia e radioterapia?
Como disse anteriormente, já descobrimos que podemos inibir a ação do gene usando um RNA, mas estamos falando de drogas basicamente da terapia gênica. O grande problema do uso de gene para tratamento é o encaminhamento para o tecido desejado. Você consegue fazer isso num tubo de ensaio, mas ainda não descobrimos como aplicar em um ser humano. Há avanços, mas nada ainda no uso clínico para introdução do gene específico no tecido danificado. Por enquanto, a importância da genética com o conhecimento de mecanismos de inibição de tumores é identificar os alvos e as estratégias para um tratamento, mas o tratamento em si se dará por uma proteína, um anticorpo ou uma molécula pequena que inibirá a ação de outra proteína e não permitirá a evolução de um gene cancerígeno.
Poderia explicar melhor a sistemática de inibição do desenvolvimento do câncer?
A inibição da apoptose (mecanismo da morte celular programada) é fundamental para o tratamento do câncer. A apoptose ocorre a partir da presença de proteínas ou enzimas no gene. Nas células tumorais, já se sabe que não basta identificar a presença dos genes de câncer (BRCA) para definir o tratamento da doença. No caso do câncer de mama, por exemplo, a presença do gene BRCA e da proteína receptora de estrógeno (ERP) define um prognóstico mais complicado e orienta a conduta do tratamento. O conhecimento do genoma contribui no sentido de trazer mais informações e conhecimento sobre as proteínas e possibilidades de tratamentos.
Para inibir uma proteína é necessária outra proteína, preferencialmente monoclonal, ou seja, identificada e passível de ser clonada para ser específica. Para o exemplo dado, significa produzir a partir do ERP uma proteína anti-ERP que atua diretamente na proteína que expressa o estrógeno e impede a célula tumoral de evoluir.
Há investimento de empresas privadas nas pesquisas com o diagnóstico molecular? Qual o percentual em relação ao governo?
Não tenho informação sobre investimento comparativo entre empresas e governo. Isso varia muito entre os países. No Brasil há vários estudos em laboratórios para o desenvolvimento de novas terapias e de testes que justifiquem o uso da terapia. Como exemplo, temos o teste do ERP4 (proteína receptora de estrogênio) para justificar o uso de Herceptin em câncer de mama. Hoje é mais justificável o investimento em pesquisas sobre a interferência das drogas no prognóstico da doença, ou seja, no diagnóstico que permite ao oncologista definir o tratamento, do que propriamente no descobrimento de novas drogas. No caso dos laboratórios clínicos é o que se convencionou chamar de medicina laboratorial baseada em evidência. Quanto se fez e quanto se atingiu.
Participamos do processo de desenvolvimento da vacina contra HPV, câncer de colón e de mama, sempre procurando novas abordagens para o tratamento. O Instituto Ludwig apoiou e participou da fundação de uma empresa aqui no Brasil que se chama Recepta Biopharma (empresa de biotecnologia) para desenvolvimento basicamente de vacinas ou anticorpos monoclonais, em resumo, alvos para imunoterapia. Estamos à procura de novos alvos. Temos alguns estudos muito promissores, como os testes clínicos em pacientes com melanoma e câncer de pulmão feitos pelo Ludwig. Já estamos na fase 3 dos estudos para vacina contra câncer de pulmão, que é a última fase de testes para o registro e comercialização. Há também alguns testes de vacinas contra câncer de pulmão sendo feitos pela empresa GSK – Glaxo Smith- Kline que apresentam resultados muito animadores. Uma abordagem importante do Instituto são os estudos das proteínas expressas dos genes que normalmente não existem em indivíduos normais , exceto na linhagem germinativa, mas que são encontradas em certos tumores. São proteínas muito importantes por serem antigênicas e servirem como per feitos componentes da vacina contra o câncer. Estamos procurando novos tipos destes genes aqui no Brasil também. É sem dúvida o que temos de mais promissor.
Fale um pouco mais sobre a Recepta.
A Recepta Biopharma foi fundada em 2005 e tem no Instituto Ludwig seu principal parceiro, que detém 49% das ações. É uma empresa de biotecnologia dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de anticorpos monoclonais para serem utilizados no tratamento do câncer. A Recepta conseguiu licença para quatro destes anticorpos, que foram desenvolvidos dentro do instituto para serem produzidos e aprovados para uso no Brasil. Os ensaios clínicos do primeiro projeto já começaram. A Recepta conta com um bom investimento tanto de parceiros do setor privado quanto público, como a Fapesp, Instituto Butantan, Inca, Hospital Sírio e Libanês e MIT, entre outros. É a primeira empresa no Brasil que está testando novas drogas terapêuticas contra o câncer. O primeiro projeto é voltado para o câncer no ovário.
Como você avalia a participação do Brasil em todo este processo?
Em minha opinião, o país vivencia um momento muito bom para a pesquisa, pois o governo está investindo em projetos de biotecnologia que possibilitarão a vinda de mais tecnologia para cá. Estou otimista em relação a este cenário do Brasil. É um incentivo inclusive para o mercado de trabalho, que abre novas oportunidades.
Fala-se muito em vacinas contra o câncer. Como você vê a viabilidade destas vacinas?
A viabilidade é inquestionável. Além das vacinas para doenças infecciosas, existem vacinas terapêuticas em desenvolvimento para estimular respostas contra o câncer. Um tumor sempre oferece risco de reaparecer após a remoção cirúrgica. A vacinação contra o tumor, pelos dados do Instituto Ludwig e pelos dados do Laboratório GSK, indicam que o uso da vacina pode prolongar o período livre de doenças ou mesmo evitar que a doença reapareça. Já estamos em fase final de aprovação destas vacinas e acredito que dentro de cinco anos as primeiras já devem estar disponíveis para uso. No futuro, haverá ainda o uso de vacinas para combater tumores que não são possíveis de ser operados. Isso, no entanto, é um pouco mais complicado porque o tumor também desenvolve a habilidade de modular ou combater o sistema imune. Desta forma, a vacina sozinha não seria muito eficaz. Seria necessário adicionar ao tratamento outras drogas que ainda estão em estudo. Futuramente, uma simples vacina também poderá ajudar pacientes com diagnóstico precoce de câncer.
Este prazo de cinco anos para as primeiras vacinas também se aplica ao Brasil?
Este prazo de cinco anos que eu prevejo inclui o uso das vacinas em todo o mundo. Aliás, em se tratando de tecnologia e disponibilidade dos produtos para tratamento do câncer, o Brasil não deve nada aos países mais desenvolvidos. Estamos quase que instantâneos. A vacina contra HPV, por exemplo, foi liberada no país apenas dois meses depois de liberada nos Estados Unidos. Os pedidos de registro estão entrando juntos praticamente no mundo todo.
Até quando as pessoas morrerão de câncer?
Infelizmente as pessoas continuarão morrendo desta doença. No entanto, com a evolução da ciência genômica, o câncer será em um futuro próximo uma doença para qual haverá maior habilidade de gerenciamento, assim como aconteceu com a AIDS. As pessoas convivem com o HIV com boa expectativa e qualidade de vida devido às possibilidades de tratamento. O câncer, a bem da verdade, é mais complexo do que o HIV, pois suas combinações são diferentes para cada indivíduo e para cada tipo de tumor. Haverá em breve mais tratamentos, bem como novas maneiras de evitá-lo, como as vacinas. Haverá, principalmente, uma tendência cada vez maior de recursos disponíveis para os oncologistas tratarem seus pacientes, prolongando-lhes a existência e, acima de tudo, proporcionando-lhes mais qualidade de vida.
asimpson@licr.org
Desde 2007 a Controllab trabalha num projeto para estimar o erro sistemático dos laboratórios a partir dos resultados no ensaio de proficiência. Este é um grande desafio para todo provedor no mundo, visto que regulamentos e normas internacionais já definem esta estimativa como função do ensaio de proficiência, mas poucos a executam.
“Nosso primeiro passo foi dado há 10 anos quando passamos a enviar múltiplos materiais por rodada. Em 2007 padronizamos todos os módulos do programa com três itens por rodada, depois de um estudo conjunto com a ANVISA, que demonstrou maior confiabilidade na estimação do erro sistemático com esta quantidade de itens”, explica Vinícius Biasoli, diretor executivo da Controllab.
A equipe de estatísticos da empresa, junto ao consultor estatístico Pedro Nascimento Silva e à Anvisa, estudou o comportamento dos dados dos laboratórios participantes do programa, predominantemente brasileiros, para definir requisitos mínimos para ensaios de proficiência clínicos do Brasil.
Paralelamente, a Controllab estendeu o estudo para o desenvolvimento de um modelo robusto para a estimação do erro sistemático, conforme descreve Rodrigo Doellinger, estatístico da empresa. “Com a ajuda do Pedro, desenhamos um modelo que atende a realidade do país. Existe uma forma simples e já citada na literatura internacional para esta estimativa, contudo há formas mais eficientes de fazê-lo. Podemos dizer que o método robusto subtrai do erro sistemático individual de cada laboratório as fontes de erro dos demais laboratórios.
O método estatístico adotado para tratar os dados dos participantes do programa já é robusto e minimiza bastante o impacto dos erros sistemáticos e aleatórios inerentes ao processo de análise de cada usuário. Contudo, toda medida final tem alguma incerteza herdada do processo, em proporções menores certamente, e há como mensurá-la e fornecer para cada participante uma estimativa melhor.
O modelo está em fase de testes finais. Ele foi desenvolvido inicialmente para glicose mas, para ser implementado, precisa ser verificada sua adaptação para cada ensaio. A Controllab tem hoje 255 ensaios quantitativos. Boa parte destes já foi testada e o modelo se ajusta em 80% dos casos. Para os demais ensaios será adotado o modelo simples descrito pela literatura até que um modelo robusto que se ajuste seja desenvolvido.
Outro cuidado importante é definir quando uma estimativa não deve ser apresentada ao participante. Segundo Rodrigo, os modelos têm restrições inerentes a todo e qualquer processo de medida e é importante estudá-las bem para definir um protocolo que só libere para os participantes dados realmente válidos. Um exemplo está na qualidade do dado fornecido pelo participante que, se tiver erros aleatórios muito elevados, torna a medida do erro sistemático por ensaio de proficiência sem valor. “Temos como prever esta situação e no lugar de liberar uma medida podemos dar um alerta para o usuário verificar sua rotina analítica e as causas desta variação”, completa.
Depois de todo este estudo, a equipe Controllab terá ainda a missão de ensinar os laboratórios a utilizar esta nova informação. Conforme afirma Vinícius,
o Brasil é grande e a informação é absorvida de forma diferente em cada lugar. Será um grande desafio explicar esta nova ferramenta e ajudar os profissionais a fazerem o melhor uso dela. Mas este é o propósito do controle de qualidade e estamos nos preparando para fazer da melhor forma.
O controle interno é utilizado para monitorar a variabilidade da fase analítica do laboratório ao longo do tempo. Ele deve garantir que a imprecisão analítica não se deteriore. Desta forma, se um paciente fizer o mesmo exame em dois momentos diferentes, uma variação significativa dos resultados só ocorrerá se sua condição clínica tiver se alterado. Neste caso, o resultado ajudará o médico a fazer o diagnóstico ou definir o tratamento.
Todas as análises devem ser frequentemente monitoradas por controles internos. Em hematologia esta monitoração se torna mais crítica pela rápida perda da estabilidade dos materiais de controle que tornam o ciclo de acompanhamento de um lote mais curto.
Segundo Derliane Oliveira, Farmacêutica Bioquímica e assessora do PALC, “especialmente no hemograma, os materiais disponíveis comercialmente possuem um tempo de estabilidade curto se comparado a outras análises, como bioquímica e hormônios. A estabilidade destes materiais tem uma dependência progressiva maior com o tempo e com a temperatura e esta relação varia para diferentes parâmetros, permitindo um caráter não randômico”.
Para implementar um controle interno eficiente, o primeiro passo é a seleção do controle. A melhor opção é encontrar soluções comerciais, como determina a ANVISA na resolução RDC302/2005 para funcionamento de laboratórios clínicos. O regulamento deixa claro que alguma forma de controle deve existir e que o laboratório deve buscar controles comerciais regularizados junto à ANIVA/MS. Apenas na indisponibilidade destes, deve-se adotar formas alternativas que permitam avaliar a precisão da análise. “É fundamental que a primeira escolha do laboratório seja a utilização de controles comerciais, que possuem características mais estáveis e permitem a análise do material de controle ao longo de um tempo maior”, explica Derliane.
O controle utilizado também deve permitir a avaliação em diferentes concentrações, conforme exemplifica Derliane:
Quando o laboratório utiliza somente o nível normal, por exemplo, não está avaliando o desempenho do processo nos níveis patológicos. Da mesma forma, se alternar os níveis do controle a cada dia (normal e patológico baixo e alto), não terá um acompanhamento efetivo da variabilidade do sistema, já que cada dia a concentração varia e as demais deixam de ser monitoradas.
A ausência de controles comerciais para todos os parâmetros de um hemograma é uma realidade no país e torna necessário o uso de formas alternativas. A maior parte dos materiais disponíveis no Brasil é importada e a descontinuidade de fornecimento ocorre a todo o momento. A Controllab está desenvolvendo um novo controle nacional que ajudará a evitar esta falta para uma série de parâmetros (leucócitos, plaquetas, hematócrito, hemácias e hemoglobina). Contudo, até que contemple a diferencial (série branca), ainda será necessário adotar uma forma alternativa para estes parâmetros.
Derliane recomenda o uso de algumas formas alternativas que tem estudado e que hoje são aceitas quando encontradas em auditorias do Programa de Acreditação da SBPC/ML – PALC.
Algoritmo de “Bull”
O algoritmo de “Bull” monitora ao longo do dia as médias de resultados de pacientes. Este é um método antigo que consiste em comparar estas médias a cada 20 valores consecutivos processados com o valor médio acumulado. Muitos equipamentos já realizam este cálculo automaticamente. Quanto maior o número de pacientes/dia, mais robustos são os resultados do método. As principais limitações deste método são verificadas em laboratórios com volume reduzido de análise e de atendimento hospitalar, que podem apresentar grande oscilação dos resultados, dada a população atendida.
Repetição de amostras de paciente
Uma segunda opção é a repetição de amostras de pacientes. Neste caso, monitora-se a diferença entre resultados de uma mesma amostra quando dosada em diferentes momentos, como descrito na norma CLSI H38P (Calibration and Quality Control of Automated Hematology Analizers), que recomenda que esta repetição seja feita dentro de uma mesma corrida.
É interessante observar que o CLSI tem outra norma, a GP29 (Assessment of Laboratory Tests when Proficiency Testing is not Avaiable), que menciona que este método – denominado arraste de amostras – era muito utilizado até que, em 1970, passou-se a adotar o método de “Bull”. Derliane lembra, no entanto, que muitos laboratórios no Brasil ainda possuem equipamentos que não fornecem o algoritmo de “Bull” e por isso esta segunda opção ganha importância. Para sua aplicação, a sugestão da Derliane é que as amostras de pacientes sejam processadas em diferentes turnos do laboratório.
Como a estabilidade esperada para amostras de paciente é de 24 horas, o laboratório deve selecionar minimamente cinco pacientes durante um dia e testar novamente na manhã seguinte. O que fará com que este re-teste seja feito junto à seleção de cinco novas amostras. Para cada amostra deve-se calcular a diferença entre os dois resultados para, então, obter a média, desvio padrão e coeficiente de variação destas diferenças acumuladas a cada grupo de pacientes testado. Isto permitirá que o laboratório conheça a variação média do seu processo ao longo do tempo.
É importante ressaltar que este estudo deve começar enquanto o laboratório ainda tem controle comercial, pois assim garante que a variação do processo encontrada representa a realidade de análise sob controle. Ou seja, que a partir destes dados ele poderá definir a variação aceitável e identificar quando a variação estiver fora de controle.
Uma restrição, a que este método não se aplica, é a contagem diferencial.
Comparação de leitura diferencial
A norma CLSI H20 (Reference Leukocyte Differential Count Proportional and Evaluation of Instrumental Methods) menciona como formas de controle da contagem diferencial, a comparação entre observadores e a comparação entre observadores e analisador. Para as duas comparações pode-se selecionar amostras de pacientes com diferentes perfis de resultados e o laboratório deve definir a variação aceitável para estes. Para a comparação entre observadores pode-se ainda utilizar materiais de ensaio de proficiência, para os quais a faixa de leitura aceitável já foi definida. Quanto maior a frequência e o volume de materiais analisados, mais eficiente será o controle.
Os profissionais que tiveram a oportunidade de participar e acompanhar de perto a evolução das técnicas laboratoriais no Brasil percebem vantagens e nuances distintas no processo, mas que, ao mesmo tempo, remetem ao mesmo lugar: a automação e o controle da qualidade fizeram com que os laboratórios passassem a falar a mesma linguagem. Do extremo norte ao extremo sul os processos mudaram e a necessidade de atualização dos profissionais também. “E, quem ganhou com isso, principalmente, foram os médicos e os pacientes”, garante o Dr. João Antonio Vozza, Patologista Clínico.
Dr. Vozza atuou por mais de 40 anos em Patologia Clínica até se aposentar, há cerca de 10 anos. “Assim como vimos o homem pousar na lua, nestes 40 anos vimos os laboratórios crescerem e a automação tomar conta deles”. O Patologista foi um dos maiores incentivadores da disseminação do conhecimento em laboratórios, organizando jornadas por todo o Brasil. Em 1961, Dr. Vozza iniciou seu trabalho como Patologista Clínico em um laboratório de Presidente Prudente (SP) e, em 1965, fundou em Campinas o laboratório que leva o seu nome e que, hoje, é administrado por um de seus filhos. Entre os anos de 1977 a 1979 e 1987 a 1989, foi presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC).
“Em meu primeiro mandato, me propus a fazer muitas coisas na Sociedade, entre elas a organização de jornadas que ajudaram a disseminar o conhecimento para laboratórios, principalmente do interior”.
A primeira jornada da Sociedade foi realizada em Bauru (SP), em 1975. Dr. Vozza foi o presidente e Dr. Antonio Lázaro Marques foi o organizador, que também desempenhou importante papel em todo o evento. Os temas abordados foram: microbiologia, hematologia e temas de administração de laboratórios. As jornadas eram organizadas de sexta-feira a domingo, de forma que o profissional não precisasse sair muito do laboratório.
As jornadas seguintes foram realizadas em São José dos Campos e São José do Rio Preto (SP), sempre com nomes de grandes médicos na organização. Na época, a Sociedade de Patologia Clínica do Rio de Janeiro também apoiou na organização de jornadas pelo interior do estado.
Aconteceram muitas jornadas, nem lembro quantas. Foram desenvolvidos cursos especializados em microbiologia, hematologia, imunologia, administração de laboratórios e controle de qualidade, entre outros, apresentados principalmente para laboratórios do interior. Houve jornadas em Vitória, Maceió, Salvador, Ilhéus e muitas outras localidades do Nordeste. O tema controle da qualidade sempre se repetiu nas jornadas, afinal, na década de 1970 a história desta ferramenta começou no país e, pelas mãos do Dr. Evaldo Mello (que antecedeu Dr. Vozza na presidência da SBPC) foi disseminada pelo país e, inclusive, foi levada também para outros países latino-americanos.
Para o Dr. Vozza, a importância da disseminação do conhecimento foi grande em todo o mundo, mas no Brasil foi ainda maior, pois em muitos aspectos estávamos bem atrás dos EUA e Europa. Para ele, o incentivo ao conhecimento foi fundamental para que a patologia clínica pudesse acompanhar a medicina, cuja evolução já estava bastante adiantada.