Para garantir a qualidade dos resultados de exames que envolvem a microscopia é fundamental, em primeiro lugar, padronizar as etapas do processo. Desta forma, reduzem-se as chances de falhas. No entanto, o ponto mais sensível desta padronização é justamente o microscopista. É nele que se eleva o nível de subjetividade devido aos componentes pessoais da interpretação. Ao mesmo tempo, tais componentes tornam o serviço de cada laboratório personalizado. “É isto que torna a microscopia uma atividade atraente e ao mesmo tempo desafiante”. A definição é do Patologista Clínico Nelson Medeiros Jr. que, em parceria com Marcos Antonio Gonçalves Munhoz, é responsável pelo capítulo Comparação Intralaboratorial em Microscopia, do livro Gestão da Fase Analítica do Laboratório, lançado este ano pela Controllab, durante a 44ª edição do CBPC/ML, no Rio de Janeiro. Medeiros concedeu entrevista aos leitores de Qualifique, durante a qual expõe as principais variáveis deste processo.
A microscopia e suas variáveis
A microscopia possui variáveis em seu processo capazes de colocar em risco a qualidade das análises. As principais são a qualidade das lâminas, a coloração e a subjetividade na interpretação. A automação em microscopia, por sua vez, ainda é muito discutível devido grandemente à variabilidade das estruturas e da interpretação. Por isso, são necessários testes e treinamentos capazes de manter a uniformidade de conceitos e determinar a especificidade e sensibilidade das principais alterações. Para definir protocolos é necessário a busca de conceitos e a normatização em trabalhos científicos publicados, seguindo os preceitos da medicina baseada em evidência. O controle de qualidade externo também já é obrigatório em microscopia desde a publicação da RDC 302/2005.
“A garantia da qualidade é fundamental. Para isso devemos conhecer o viés do laboratório, chamado de erro sistemático, e planejar ações capazes de diminuí-lo”.
Leia a entrevista concedida a seguir pelo Patologista Clínico Nelson Medeiros Jr., Chefe do Serviço de Hematologia, Citologia e Genética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Em parceria com o também Patologista Clínico Marcos Munhoz, Medeiros é autor do capítulo Comparação Intralaboratorial em Microscopia, do livro Gestão da Fase Analítica do Laboratório.
Como garantir a qualidade no resultado final, beneficiando o paciente?
Para garantir a qualidade em exames que envolvem a microscopia é necessário em primeiro lugar padronizar todas as etapas do processo, desde a coleta até a conferência e liberação do laudo final. Com esta padronização as chances de haver falhas no processo diminuem. O ponto mais difícil de conseguir padronização, sem dúvida, é o do microscopista, isto porque durante a avaliação microscópica do exame existem vários componentes pessoais como o nível de conhecimento, a experiência e certo grau de subjetividade na interpretação das estruturas. Este componente de subjetividade não é prejudicial para a qualidade, pelo contrário, ele torna o serviço de cada laboratório personalizado. É isto que torna a microscopia uma atividade atraente e ao mesmo tempo desafiante. O importante é colocar este componente dentro de certos limites, baseado em critérios descritos na literatura. O treinamento é o melhor meio de atingir os objetivos de padronização, habilidade e experiência.
O segundo aspecto para se garantir a qualidade é introduzir pontos de inspeção durante as principais etapas do processo, por exemplo, controle de qualidade na coloração, dupla observação em esquema cego a intervalos regulares para os microscopistas e conferência de erros de digitação do laudo antes da liberação final.
Quais os pontos chave em um processo de análise por microscopia?
Os pontos chave dividem-se em dois grupos. No primeiro temos a parte de recebimento e preparo da amostra onde os aspectos principais são: coleta em tubo adequado, preservação do material até chegar à área técnica, contagem global das células quando aplicável, identificação e confecção das lâminas e coloração. No segundo grupo temos a avaliação microscópica onde o ponto principal é o treinamento dos profissionais e a liberação do laudo final.
Se pensarmos nas principais fontes de erro, certamente citaremos a confecção inadequada das lâminas, coloração de baixa qualidade, erro de interpretação durante a microscopia e digitação do laudo final.
Que etapas necessitam de ações de controle e por quê?
Todas as etapas necessitam de ações de controle porque trata-se de uma sequência interdependente. Em algumas etapas é necessário um controle mais rigoroso, pois a influência na qualidade dos resultados é maior. Sugerimos ter controle nas etapas mais críticas citadas anteriormente: confecção da lâmina, coloração e microscopista.
Como se controla a qualidade dos microscopistas? Quais as principais ferramentas?
O controle interno de microscopia pode ser realizado através de comparação intralaboratorial, ou seja, a comparação entre os microscopistas para observar se há concordância. Isto pode ser feito comparando todos em igual posição ou utilizando observadores experientes como padrão.
No caso de exames qualitativos, o controle é realizado utilizando-se materiais com resultados conhecidos distribuídos a todos os observadores sem que estes saibam o resultado (esquema cego). Para os exames quantitativos existem várias técnicas estatísticas para efetuarmos as comparações. A escolha de cada técnica depende do tipo de exame e do número de observadores.
As principais técnicas estatísticas são: tabela de Rümke, índice Kappa, estudo de reprodutibilidade e repetibilidade (R&R) e o Chauvenet. Todas descritas no livro.
Por que e quando adotar um microscopista como padrão?
Morfologistas experientes podem ser utilizados como referência nas comparações. Devem ser utilizados nas situações em que pode haver grande variabilidade nos resultados e quando o número de microscopistas é pequeno e não é possível estabelecer a média do grupo como a referência. No teste R&R por atributos o padrão é obrigatório.
Qual a importância do treinamento? Seria a comparação intralaboratorial uma forma de monitorar a capacitação de seus microscopistas para garantir a uniformidade dos profissionais?
O treinamento é a atividade mais importante em exames que envolvem microscopia. Somente com o treinamento é possível habilitar e manter bons microscopistas.
Exatamente para monitorar a capacitação podemos proceder as comparações intralaboratoriais citadas periodicamente. Podemos avaliar a reprodutibilidade aplicando na rotina exames em duplicata no esquema cego ou realizar o teste estatístico de reprodutibilidade. Nestas situações, o importante é acordar com o grupo de trabalho sobre a necessidade da realização das avaliações para não criar um clima de insegurança.
Isto deve ocorrer em paralelo a treinamentos de reciclagem para manter a uniformidade de conceitos, além de reuniões periódicas para discussão de casos novos e suas dificuldades de interpretação.
Como medir o grau de concordância entre observadores em uma mesma análise / variável?
Para exames qualitativos a concordância é medida pelo cálculo de índice Kappa. No cálculo mais simples é possível fazer a comparação somente entre dois observadores, chamado de índice Kappa de Fleiss. Se desejarmos realizar uma comparação entre vários observadores ao mesmo tempo, aplicamos o teste estatístico Kappa de Cohen, este teste é mais sofisticado necessitando de programa de estatística para sua realização.
Quando o laboratório tem apenas um microscopista para determinado exame ou quando não há um que possa ser considerado referência, o que fazer?
Para casos como estes, existem duas saídas. A primeira é realizar uma comparação interlaboratorial criando parceria com um ou mais laboratórios onde se realiza troca de lâminas e análise, como já descrito. Outra comparação deve ser realizada de acordo com a disponibilidade de ensaio de proficiência, no qual a comparação é executada com os participantes do programa.
A comparação entre microscopistas tem outras finalidades além da monitoração da capacitação profissional?
Sim. Uma finalidade é garantir a qualidade dos resultados, outra é o conhecimento do grupo de trabalho para posterior planejamento de ações preventivas com a finalidade de minimizar erros. Uma terceira finalidade é atender à exigência da RDC302/2005 no quesito de controle de qualidade interno.
Pode ainda ser usada para aprovar insumos e avaliar etapas do processo. No livro incluímos um exemplo de comparação com microscopistas experientes para validar um novo corante.
Voltando um pouco aos conceitos, o que seria exatidão e precisão em processos de microscopia?
Exatidão é a proximidade do valor real, isto é, a capacidade de detectar a estrutura que está presente ou de não se detectar uma estrutura que não está presente na lâmina. Já precisão é a reprodutibilidade, ou seja, todas as vezes que fazemos determinada tarefa, fazemos do mesmo jeito.
Como validar a automação em microscopia?
A automação em microscopia é muito discutível, principalmente devido à grande variabilidade das estruturas e sua dificuldade de interpretação. Mas ela é viável e já é amplamente usada em hematologia, por exemplo. Para validarmos um processo de automação devemos fazer testes de comparação entre microscopistas experientes e o equipamento, usando materiais sem e com alteração, determinar a especificidade e sensibilidade das principais alterações e, por ultimo, a robustez do equipamento, isto é, após centenas de exames realizados no equipamento verificar se este mantém a mesma qualidade.
Qual a importância do ensaio de proficiência em microscopia?
O ensaio de proficiência tornou-se obrigatório a partir da publicação da RDC 302/2005. Existe um quesito que prevê que todos os exames realizados pelo laboratório necessitam de controle de qualidade externo. Esta obrigatoriedade só existe dada a importância da garantia da qualidade, pois realizamos uma comparação com os participantes do ensaio e, assim, conhecemos o viés do laboratório, chamado de erro sistemático e podemos planejar ações para diminuí-lo.
Considerando este um processo subjetivo de análise e que as ferramentas discutidas são objetivas (quantitativas), quais as limitações esperadas destas ferramentas?
A principal limitação é considerarmos um observador como fora da faixa de aceitabilidade quando, na verdade, não está. Este é o chamado erro tipo I em estatística. Na maioria dos testes aplicados este tipo de erro é conhecido antes da aplicação e divulgado no relatório. Normalmente admite-se este tipo de erro em 5%.
Para lidar melhor com estas limitações inerentes à característica dos exames de microscopia, é necessário haver um bom planejamento na comparação. Este envolve a cuidadosa seleção das lâminas que serão utilizadas, o modo de aplicação das lâminas aos microscopistas, critérios claros e previamente definidos para aceitabilidade e divulgação de forma ética dos resultados.
Como definir critérios validos frente às necessidades médicas?
Os critérios devem ser definidos com base em conceitos e normatização em trabalhos científicos publicados, seguindo os preceitos da medicina baseada em evidência. Na ausência de referências, deve-se verificar o desempenho histórico da equipe frente ao impacto de uma determinada variação aceita no diagnóstico clínico. Também podemos utilizar a técnica de benchmarking aplicando experiência de outros serviços no estabelecimento de protocolos.
“Gestão da Fase Pré-analítica – Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial” é a nova publicação da SBPC/ML para os laboratórios clínicos.
O livro reúne artigos de médicos patologistas clínicos, farmacêuticos-bioquímicos, biomédicos e enfermeiros. Os capítulos são escritos de forma didática e útil para uso no dia a dia do laboratório, com ilustrações e gráficos.
Os temas abordados incluem coleta de sangue em pediatria, gestão de riscos, prevenção de acidentes por material perfurocortante, coleta, transporte e armazenamento de amostras para diagnóstico molecular, exame de urina de rotina e urina 24 horas, a fase pré-analítica na visão do PALC – SBPC/ML e RDC 302 e a Norma PALC versão 2010, com um item inédito sobre “Gestão dos riscos e da segurança do paciente”.
A fase pré-analítica concentra a grande maioria dos erros que culminam muitas vezes em resultados laboratoriais inconsistentes. Muitos desses erros não podem ser controlados ou detectados pelo laboratório clínico. No entanto, o laboratório clínico pode atuar de forma pró ativa para minimizar este tipo de erro. O processo de educação continuada, por meio de documentos de recomendações, é a contribuição maior que a SBPC/ML oferece para incrementar a qualidade no laboratório clínico
diz o diretor científico da SBPC/ML, Nairo Sumita, que coordena a publicação.
O livro foi editado como um fichário com fascículos para facilitar a consulta e o manuseio. Seu conteúdo está disponível para consulta e download gratuito no site da SBPC/ML e na Biblioteca Digital SBPC/ML.
Em parceria com entidades como Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBM) e Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/ Medicina Laboratorial (SBPC/ML), a Controllab desenvolveu novos Controles de Qualidade em Microbiologia Clínica e de Alimentos que ocorrerão em rodadas trimestrais com dois a quatro materiais.
A sistemática é a mesma dos demais ensaios de proficiência da Controllab: através do site da empresa, mediante uma senha, o usuário pode enviar resultados, consultar avaliações, monitorar prazos e gerenciar tarefas, entre outros.
O ciclo do programa inclui a remessa dos materiais pela Controllab e a realização dos ensaios e reenvio dos resultados pelo laboratório. Posteriormente, estes resultados e o desempenho laboratório são analisados pela ControlLab, segundo comparações estatísticas e análises críticas feitas por especialistas, com o objetivo de avaliar os resultados, identificar erros e causas, sugerir ações preventivas e de melhoria, entre outros. Finalmente, o laboratório participante recebe sua avaliação para verificar a conformidade dos seus processos e identificar oportunidades de melhoria.
Segundo Renato Geraldo, Assessor da Controllab para Alimentos, “os laboratórios de análises microbiológicas de água e alimentos assumiram nos últimos anos um papel de destaque na área da qualidade, em decorrência das crescentes exigências legais, do mercado externo e dos consumidores. Os ensaios de proficiência nesta área são uma ferramenta fundamental no aprimoramento deste setor, possibilitando a demonstração da credibilidade necessária para a atuação dos laboratórios. Deste modo, estamos confiantes no sucesso desta iniciativa”.
Segundo Maria José de Souza, Assessora para programas de Microbiologia Clínica da Controllab, “nestes dez anos de parceria, a Controllab investiu muito para alcançar a excelência atual. Da instrumentalização da produção e montagem de um laboratório de microbiologia, inicialmente voltado a patógenos de rotina, houve grande evolução para microrganismos mais complexos e exigentes. Hoje os laboratórios detêm maior conhecimento e melhor infraestrutura, o que exige mais dos programas de controle e estimula a qualidade e abrangência. Repare que o programa está atendendo à atual demanda por controle de testes rápidos.”
Confira abaixo a lista de ensaios já contemplados no programa:
1) Ensaio de Proficiência Clínico: Bacteriologia Ambulatorial, Hospitalar, Coprocultura, Hemocultura e Anaeróbios, Bacterioscopia, Culturas de Vigilância, Micologia, Pesquisa de Chiamydia Trachomatis, de Antígenos nas Fezes, em Urina ou Fluidos Estéreis e no Trato Respiratório e Pesquisa de Uréase.
2) Controle Interno Clínico: Cepa Controle – Bactéria e Fungo, Controle de Coloração de Gram e de Coloração Ziehi-Neelsen e Auramina/Rodamina e Rotavírus.
3) Ensaio de Proficiência de Alimentos: Contagem de células somáticas em leite, Contagem e pesquisa de microrganismo para ave, carne e leite, Microbiologia de água natural, mineral e de consumo humano, para diálise, de água industrial e de efluentes.
Informações detalhadas sobre o funcionamento do programa podem ser obtidas no manual do participante, disponível no site da Controllab.
Renata Lamonica – Gerente de Processos de Enfermagem / Diretoria de Operações de Atendimento – Grupo Fleury
Em 1999, o livro “To err is Human”, publicado pelo Institute of Medicine (IOM), nos Estados Unidos, foi o primeiro a focar o impacto dos erros evitáveis nos pacientes. A segurança do paciente é tema de importância internacional, que vem sendo amplamente discutida nas organizações de acreditações e instituições de saúde, visando à redução e eliminação de atos não seguros dentro do sistema de assistência. A Joint Commission incluiu o sistema de Gerenciamento de Segurança do Paciente como pré-requisito para acreditação e, recentemente, este requisito foi incluído na nova versão da norma PALC.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), através de hospitais-sentinela, criou o Sistema de Informação de Notificação de Eventos Adversos e Queixas Técnicas Relacionados a Produtos de Saúde.
O sistema de saúde torna-se cada vez mais complexo, sendo maiores as possibilidades de erros. A descentralização e fragmentação deste sistema promovem um ambiente em que as ações para prover segurança são dificultadas, contribuindo para a insegurança. O erro também tem impacto no aspecto financeiro ao desencadear a repetição de exames diagnósticos e ao tratamento/seguimento do evento propriamente dito. Além dos custos mensuráveis, os erros têm custos relacionados à perda de confiança nos profissionais, na assistência e na organização. No mínimo, o sistema de saúde precisa garantir segurança ao cliente: “primun non nocere” (Hippocrates).
No Grupo Fleury percebemos uma oportunidade de estruturar o processo relacionado à segurança do cliente e criamos um grupo multiprofissional com objetivo de estabelecer um sistema contínuo de Gerenciamento de Segurança do Cliente, buscando este foco em todas as etapas do processo. Esta foi uma das estratégias da organização para identificar oportunidades para melhorar seu desempenho.
Em nosso sistema, é de responsabilidade de todo profissional reportar os eventos adversos ocorridos em qualquer fase do processo de atendimento ao cliente, passíveis ou não de prevenção. A notificação é obrigatória para todos os colaboradores do Grupo e o notificador pode optar pelo anonimato. Essa notificação é realizada em um formulário da nossa intranet.
O Grupo de Gerenciamento de Segurança do Cliente realiza a análise dos eventos reportados junto às equipes relacionadas e elabora um relatório com a análise dos fatos e as medidas propostas para o gestor responsável. Ressalta-se o compromisso com a segurança da informação, garantindo o sigilo sobre a identidade dos clientes e profissionais envolvidos. Cabe ao grupo, ainda, a divulgação de tais iniciativas como parte do processo de introjeção dos conceitos de segurança ao cliente.
Considerando que este processo é dependente da iniciativa do colaborador, faz-se necessário atuar com as equipes, incentivando a notificação dos eventos adversos para análise e implementação de melhorias em prol da segurança do cliente/paciente. Sendo assim, constantemente avalia-se a necessidade de incentivos adicionais para notificar, provendo visibilidade para os aspectos de segurança, comunicados em murais e através da educação continuada.
Este processo foi iniciado exclusivamente na marca Fleury, buscando seu aprimoramento. Muitas ações sistêmicas já foram implantadas a partir de um evento isolado, contribuindo para a melhoria do atendimento como um todo. Agora, ele já está pronto para ser expandindo para as demais marcas do Grupo.
Os grandes erros são, muitas vezes, feitos como as cordas, de uma quantidade de fios.
Victor Hugo