Usada como reagente na maioria dos testes laboratoriais e na preparação de soluções, a água deve seguir um rigoroso padrão de qualidade. Uma combinação de tecnologias remove impurezas que podem causar erros e até alterar os resultados dos exames. Mas como assegurar a purificação da água? Nesta edição de “Qualifique”, que traz uma entrevista com a química Ana Cláudia Cruz, diretora técnica do setor de Análises Físico-Químicas da Baktron, o leitor verá que há processos mais eficientes do que outros para eliminar determinados tipos de contaminantes e que dependendo da finalidade que se quer dar à água, escolhe-se o método mais adequado. Levando em conta, inclusive, o custo-benefício.
Da água de beber ao solvente dos laboratórios: para cada finalidade, um tratamento
É a partir das análises físico-químicas que se conhece a qualidade da água e se decide o que fazer para atender às especificidades exigidas – ou recomendadas – dependendo do uso que essa água vai ter. Seja para consumo humano, seja num laboratório. Só quando sabemos quais são os interferentes presentes é que poderemos eliminá-los ou reduzi-los, mostra a química Ana Cláudia Cruz, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e hoje diretora técnica do setor de Análises Físico-Químicas da Baktron.
A partir desse diagnóstico é possível corrigir o que for necessário. “Se ainda assim a água não atender às especificações previamente requeridas, ela pode ser utilizada para outro fim, evitando assim o desperdício de um bem tão precioso”, pondera ela, que atua há 30 anos em laboratórios de análises físico-químicas. Com experiência no controle de qualidade na indústria farmacêutica, Ana Cláudia Cruz trabalha com análises em águas purificadas e de consumo, efluentes, alimentos e matérias primas.
Nesta página e na seguinte, a profissional discorre sobre as tecnologias de purificação usadas para cada finalidade da água; as normas legais que orientam os parâmetros em cada caso; e as escolhas para o tratamento correto em diferentes tipos de água reagente. Ela diz ainda como deve ser feito o controle de qualidade e quais são as ferramentas mais usadas nos laboratórios.
Qual a importância das análises físicoquímicas para o controle de qualidade da água?
A água é imprescindível para sobrevivência humana; é o principal solvente utilizado em laboratórios; é utilizada na solubilização de amostras, no preparo de soluções reagentes, soluções indicadoras, soluções de referência, etc. Então, se soubermos quais os interferentes presentes na água a ser utilizada poderemos eliminá-los ou reduzi-los, a fim de atender às especificações exigidas e/ou recomendadas para a sua finalidade.
A escolha sobre o tratamento correto varia de acordo com a utilização que vai ser feita da água?
Sim, a escolha é feita de acordo com a finalidade a ser empregada. Por exemplo: para o consumo humano, a fim de atender à legislação de potabilidade, a água bruta retirada de um manancial é tratada normalmente pelo processo chamado convencional, que consiste de coagulação, floculação, decantação, filtração e desinfecção. Para águas reagentes, ditas purificadas, com maior grau de pureza, são utilizados os processos de osmose reversa, deionização, destilação e ultra filtração. Para o tratamento de efluentes, para dar mais um exemplo, são utilizados processos químicos para a decantação, oxidação, redução, além de processos biológicos com bactérias ou microrganismos que consumam a matéria orgânica.
É sempre possível corrigir os parâmetros ou há casos em que a água precisa ser rejeitada?
De uma maneira geral, é possível sim, corrigir os parâmetros. Em uma água de poço, por exemplo, com teor de ferro maior do que o permitido pela legislação de potabilidade, a utilização de filtros específicos para eliminar esse contaminante é aconselhável. Se a especificação de um determinado tipo de água purificada (ou reagente) é mais restritiva, pode ser utilizado um processo adicional de purificação. Se ainda assim a água não atender às especificações previamente requeridas, ela pode ser utilizada para outro fim, para evitar o desperdício de um bem tão precioso.
Que normas legais orientam esses parâmetros para cada tipo de uso da água?
Para águas de consumo, a legislação vigente de potabilidade é a Portaria nº 2914/2011 do Ministério da Saúde; para efluentes são a Norma Técnica NT-202, as Diretrizes DZ 205 e 215, deliberadas pela Ceca (Comissão Estadual de Controle Ambiental) do Inea, e a Resolução n° 430/2011, do Conama; para águas reagentes (purificadas), Farmacopeias, Clinical Laboratory Standarts Institute (CLSI), American Society for Testing and Materials (ASTM).
O que caracteriza especificamente a água usada nos laboratórios de análises clínicas?
A água utilizada para análises clínicas é caracterizada, principalmente, pela completa eliminação de substâncias dissolvidas e suspensas nessa água.
Há mais de um tipo de água reagente?
Existem quatro tipos de água reagente, que recebem uma classificação conforme a sua aplicação: Águas reagentes Tipo I, Tipo II, Tipo III e Tipo Especial.
Que sistemas de purificação são usados para chegar a essa água reagente?
Os métodos de purificação mais utilizados são: destilação, osmose reversa, deionização, filtração e ultrafiltração e esterilização por ultravioleta.
Há um sistema mais eficaz que outros? Ou um sistema de purificação mais apropriado a um determinado tipo de processo?
Sim, existem processos de purificação mais eficientes do que outros para eliminar determinados tipos de contaminantes. Então, dependendo de qual finalidade se deseja para aquela água purificada, escolhe-se o método mais adequado, inclusive considerando seu custo/benefício.
E como um laboratório pode saber que a água usada nos exames é apropriada?
O laboratório deve realizar as análises físico-químicas para os parâmetros indicados, e/ou de interesse, e verificar se os resultados atendem aos limites máximos permitidos pelas normas de referência.
A água pura pode vir a ser contaminada no laboratório?
Não podemos dizer que corre o risco de ser contaminada, mas, sim, de readquirir substâncias que podem reduzir o seu grau de pureza. Isso pode ocorrer, por exemplo, por manipulação e armazenamento inadequados. Uma água reagente tipo I deve ser usada assim que for produzida; quando armazenada por um tempo mais prolongado, pode aumentar sua condutividade pela “absorção de gases” (CO2). Dessa forma, as características dessa água serão modificadas e poderão interferir em determinadas metodologias.
O que acontece depois disso?
Essas contaminações ou interferências modificam a qualidade da água reagente e, por consequência, direcionam para outra utilização. Então, se temos uma água com aplicações mais específicas – como para uso em HPLC (cromatografia líquida de alto desempenho) – ela poderá vir a ser utilizada no preparo de reagentes e no preparo de amostras em geral.
Que recomendações podem ser feitas aos laboratórios para assegurar a qualidade da água reagente e impedir a contaminação?
Verificar se o laboratório tem as condições necessárias para produzir a água de interesse e monitorá-la. Caso tenha, o laboratório deve seguir o que preconiza a norma utilizada quanto a armazenamento, preservação e cuidados a fim de manter a integridade da qualidade.
Como deve ser feito o controle de qualidade especificamente no laboratório? Que ferramentas são mais apropriadas para esse controle?
No laboratório, são realizadas as análises chamadas “de bancada” e as instrumentais, que são descritas na monografia (metodologia) da água. Normalmente, no Rolou! laboratório, a água reagente utilizada em todos os procedimentos é analisada diariamente nos parâmetros que poderiam interferir nos ensaios realizados. Então, se o foco é a análise de dureza em amostras de água, é verificada a presença de cálcio e magnésio. Estes devem estar dentro do limite máximo especificado. Se for preciso preparar uma solução padrão para avaliação interna do equipamento de determinação de COT, por exemplo, esta água deve apresentar um valor muito baixo para este parâmetro e será utilizada como um “branco”, conforme os procedimentos descritos na metodologia para COT e no manual do fabricante.
Laboratórios de diferentes portes podem usar essas ferramentas?
Na maioria dos casos é provável, sim. A avaliação consiste sempre na finalidade a que se destina a água reagente. Os parâmetros de interesse são ensaiados, de uma maneira geral, através de equipamentos bem simples e de fácil aquisição, além do uso de padrões rastreáveis mais acessíveis.
Como disse, o controle da água reagente é definido conforme a sua finalidade. Uma água reagente pode ser obtida, por exemplo, por destilação ou por deionização, pois estes métodos são muito bons na remoção de muitos interferentes. Desta forma, essas águas reagentes podem ser monitoradas por metodologias “de bancada”, por titulometria (utilizando vidrarias), além de métodos gravimétricos (balanças analíticas) e por equipamentos mais acessíveis, tais como pHmetro, condutivímetro. Portanto, na maioria dos casos, laboratórios de pequeno porte podem realizar esse tipo de monitoramento.
Que normas legais orientam esse controle de qualidade?
Para as águas reagentes, as normas são as metodologias validadas e referendadas por Farmacopeias Brasileira, Americana (USP), Europeia (EP), entre outras; Clinical Laboratory Standarts Institute (CLSI), American Society for Testing and Materials (ASTM). No caso de águas de consumo e efluentes, as metodologias são descritas no “Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater” e os limites são os expressos nas legislações pertinentes.
Quais são as principais dificuldades para fazer esse controle de qualidade?
Quando os parâmetros de interesse da água reagente são para uma finalidade mais restrita (injetáveis, hemodiálise, etc), a principal dificuldade é a aquisição de equipamentos mais sofisticados de custo elevado, que são usados para o monitoramento da qualidade dessa água. Além disso, toda a avaliação interna e os programas de calibração externa dos equipamentos, o preparo de padrões que são ensaiados concomitantemente às amostras, a compra desses padrões e outros pontos que assegurem a fidedignidade dos resultados seguem uma rigorosa exigência de rastreabilidade e, obviamente, isso demanda custos. Nesse caso, o porte do laboratório ajuda. Mas também não adianta ter grande porte e não ter uma gestão que cumpra esses requisitos.
Se um laboratório optar por terceirizar esse controle, que cuidados deve tomar?
Normalmente, o que se faz é uma visita técnica ao laboratório que executará as análises para uma avaliação das instalações, da capacidade técnica, da capacidade de cumprir a demanda de análises, verificar se o laboratório possui algum credenciamento ou registro em algum órgão. Enfim, avalia toda a capacitação desse laboratório para realizar, de forma inequívoca, as análises que interessam.
Onde o laboratório pode se informar mais sobre esse assunto? Que fontes sugeriria?
Normalmente, nos sites de órgãos credenciadores (Inea, Anvisa, Mapa) pode-se verificar se o laboratório tem credenciamento ou registros dentro do escopo desejado. Algumas referências também podem ser encontradas em informativos técnicos.
Controllab lança ensaio de proficiência para água purificada
Atenta à importância do sistema de purificação da água, e após uma enquete com clientes, a Controllab lançou um produto para ajudar os laboratórios a se adequarem à legislação vigente e a garantirem a segurança e a qualidade. Já está disponível o Ensaio de Proficiência para análise físico-química da água purificada. Serão quatro rodadas por ano, a começar em dezembro de 2014 e indo até dezembro de 2015.
Dos mais de 90 participantes da pesquisa feita pela Controllab, a maioria demonstrou interesse em análise da água reagente (purificada). Por isso, a empresa optou por oferecer neste primeiro momento ensaio para água purificada, tomando como base normas e especificações estabelecidas na Farmacopeia Brasileira. Mas a Controllab já prepara ensaios para água efluente a serem lançados em 2015, como adianta Claudio Bastos, analista de Serviços.
anaclaudia@baktron.com.br.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou em abril deste ano a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) número 20, que traz diretrizes gerais sobre o regulamento sanitário para o transporte de material biológico humano (sangue, tecidos e órgãos como rim e coração). De acordo com a Anvisa, a RDC/20 veio para promover a harmonização de regulamentos nacionais e internacionais, atendendo assim às demandas das vigilâncias sanitárias e do próprio setor regulado pela Anvisa.
Sob a coordenação da Gerência Geral de Sangue e outros Tecidos (GGSTO) – em parceria com diferentes áreas das Anvisa e com o Ministério da Saúde, além das agências reguladoras e de entidades do setor regulado – esse trabalho ainda não acabou.
Um grupo atua agora na revisão do texto da RDC/20 e na criação do Manual de Transportes de Material Biológico, um documento que padronize as informações e possa servir de referência para solucionar as frequentes dúvidas, tanto de quem atua no setor como de quem fiscaliza. A Sociedade Brasileira de Laboratórios Clínicos/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) trabalha nesse grupo que faz a revisão da resolução e a redação do manual e tem como representante seu diretor de Defesa Profissional, Vitor Pariz.
Segundo Pariz, falta padronização nacional quanto às regras de transporte. “A atuação das equipes de vigilância da saúde é confusa; muitas vezes as autuações se baseiam na interpretação individual dos fiscais, o que a SBPC/ML entende não ser o ideal”, explica ele. Ainda de acordo com Pariz, dúvidas a respeito da temperatura, formas de embalagem e classificação dos riscos dos materiais transportados são as mais comuns.
Entidades várias estão contribuindo com sugestões e, segundo Pariz, a Anvisa tem se mostrado muito receptiva. “Acredito que o maior desafio é estabelecer uma regulamentação, sem conflitar com a legislação vigente de outros órgãos e entidades que já regulam o setor de transporte no Brasil”, destaca ele, referindo-se ao Ministério dos Transportes, à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Como a SBPC/ ML conhece a importância da fase pré-analítica dentro da cadeia de realização dos exames laboratoriais, nada mais oportuno do que a participação conjunta na revisão e regulação da RDC/20completa Pariz.
Cabe lembrar que, com base na RDC/20, a Anvisa e a Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, publicaram em maio a Portaria Conjunta número 370, que também trata do transporte de sangue e componentes e abrangeu a área de Bancos de Sangue. Pariz explica que a portaria não é o foco do grupo que está revisando a RDC e elaborando o manual. Mas essa portaria poderá sofrer influência com a nova redação da RDC 20.
Jéssica dos Santos Gomes e Righel Alcoforado da Ascenção – Controllab