Tecnologia, treinamento e valorização profissional no caminho da qualidade
No hospital onde trabalha o médico patologista clínico Marcos Antonio Gonçalves Munhoz, 98% dos hemogramas (sejam eles rotina ou de urgência) são liberados nas três primeiras horas. Trata-se do Serviço de Hematologia, Citologia e Genética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), onde o doutor Munhoz é diretor-técnico de Serviço de Saúde da Divisão do Laboratório Central. O reduzido tempo de resposta num laboratório que analisa uma grande complexidade de patologias é um dos benefícios citados por ele para ilustrar o avanço da tecnologia na área. “Os equipamentos tiveram uma fantástica evolução, tanto na rapidez da execução dos exames, quanto nas tecnologias de contagem celular”, explica.
Mas a tecnologia sozinha não faz milagres: “É importante lembrar que o treinamento contínuo, a valorização das pessoas e o trabalho em equipe são importantes ferramentas”, completa doutor Marcos Munhoz, que também é membro da Comissão de Controle de Qualidade do Laboratório Central do HC-FMUSP. A qualificação está entre os grandes desafios da área, ao lado do gerenciamento de custos e estoques, da aquisição de material e da gestão de pessoal. Ele conta que não é fácil encontrar profissionais com conhecimento prático em Hematologia, principalmente microscopia. “Nos últimos anos observamos uma queda brutal do conhecimento de microscopia hematológica”, lamenta o doutor Marcos Munhoz, para quem parece que as universidades vêm encontrando dificuldade em ensinar essa disciplina.
Por outro lado a literatura é rica, avalia o especialista, que cita os três volumes da coleção “Gestão da Fase Analítica do Laboratório”, editada pela Controllab, e do qual foi um dos colaboradores, as publicações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) sobre gestão da fase pré-analítica e a Norma PALC 2010 (também da SBPC/ML) como boas fontes para quem quer buscar mais conhecimento. Os detalhes dessa discussão estão na íntegra da entrevista que Marcos Antonio Gonçalves Munhoz concedeu ao “Qualifique”.
Em que aspectos a Hematologia tem mais evoluído nos últimos anos?
Podemos dizer que em todos. Os equipamentos tiveram uma fantástica evolução, tanto na rapidez da execução dos exames quanto nas tecnologias de contagem celular. Os novos analisadores hematológicos de última geração que realizam o hemograma automatizado já apresentam, pelo menos, duas tecnologias de contagem para plaquetas (impedância, contagem óptica, uso de monoclonais), quantificam os leucócitos em até seis populações leucocitárias (neutrófilos, linfócitos, monócitos, eosinófilos, basófilos e granulócitos imaturos), corrigem a quantidade de leucócitos quando há NRBC circulantes, usam tecnologias de impedanciometria com foco hidrodinâmico, citometria de fluxo (difração de luz e fluorescência), citoquímica etc. Novos parâmetros hematológicos foram incorporados ao hemograma (RDW, HDW, VPM). O PDW e o PCT aguardam estudos clínicos mais consistentes para seu uso na rotina. Esses aparelhos realizam também a contagem de reticulócitos totalmente automatizada liberando um perfil reticulocitário ampliado, muito útil clinicamente. Também realizam a quantificação de células progenitoras, dosagem de hemoglobina dos reticulócitos e fração de plaquetas imaturas.
Novos equipamentos, tais como coradores automáticos de distensões sanguíneas, slidemakers, escaneadores digital de lâminas coradas e leitura automática das células do sangue, em substituição às leituras microscópicas, já estão sendo instalados em diversos laboratórios brasileiros. Também o exame de eritrossedimentação está totalmente automatizado em grande parte dos laboratórios, com possibilidade de liberação interfaceada para o clínico.
E quanto aos reagentes, quais as novidades?
Algumas empresas já fabricam os reagentes no Brasil evitando o desabastecimento decorrente de problemas alfandegários. As empresas de equipamentos e reagentes hematológicos procuraram diminuir o tamanho dos aparelhos, a quantidade e peso dos galões de reagentes preocupadas com o espaço laboratorial e a ergonomia dos usuários. Agora, com poucos galões de pequeno volume e peso, a rotina é realizada. A preocupação na produção dos reagentes também não foi esquecida. Produtos com cianeto, metais pesados, estão sendo substituídos por produtos químicos menos tóxicos para o operário da linha de produção, para o meio ambiente e para o usuário.
Como essa evolução impacta o diagnóstico?
Exames realizados com maior precisão e exatidão fizeram com que os diagnósticos fossem mais eficientes, mais rápidos e o TAT (turnaround time, ou tempo de resposta) laboratorial bastante reduzido nos últimos anos. A informatização de todo o processo, a liberação pela internet ou por outro meio eletrônico dos resultados para os médicos assistentes ajudam os pacientes a serem mais rapidamente atendidos, diminuindo riscos clínicos pela menor permanência em prontos-socorros e enfermarias; os leitos hospitalares ganham maior rotação, podendo um maior número de pacientes ser atendidos. Em nosso hospital, com grande complexidade de patologias hematológicas, 98% dos hemogramas (rotina e urgência) são liberados nas três primeiras horas. A qualidade faz do laudo uma complementação segura ao diagnóstico médico.
E quanto ao controle do processo? Ele tem acompanhado esta evolução?
Sim. Com o aperfeiçoamento dos softwares de controle de qualidade dos aparelhos, do uso de controles mais duradouros e estáveis, a precisão e a exatidão dos equipamentos hematológicos ficaram mais evidentes. Ferramentas de controle de qualidade, como regras de Westgard, gráficos de Levey- Jennings, média móvel de Bull, repetibilidade de amostras, comparação entre analisadores etc, fizeram com que o controle do processo automatizado ficasse mais seguro. A RDC302/2005, a NR-32, as certificações e acreditações também ajudaram muito no controle dos processos devido a grande padronização obtida. As fases pré-analítica, analítica e pós-analítica, a saúde e segurança no trabalho ficaram mais bem controladas graças à utilização de todas essas normas e resoluções. É importante lembrar que o treinamento contínuo, a valorização das pessoas e o trabalho em equipe são importantes ferramentas no acompanhamento da evolução e controle desses processos.
Há especificidade quanto ao controle do processo na Hematologia que devem ser destacadas?
As especificidades começam até antes da fase pré-analítica, com normas para produção dos tubos de EDTA, de preferência o dipotássico (1,5 a 2,2 mg de sal anidro por mililitro de sangue a quantidade ideal de EDTA necessária para a completa quelação do cálcio e minimização dos danos celulares), o tempo de validade dos tubos, a perda do vácuo etc. Na fase pré-analítica, a coleta do material deve seguir as normas já padronizadas de coleta para tubos de plástico (CLSI/SBPC), com 8 a 10 homogeneizações por inversão. No transporte da amostra, o tubo não deve sofrer grandes agitações e aquecimento. O exame deve ser feito num prazo nunca superior a 6 horas (quando há contagem de reticulócitos) e 8 horas para o hemograma, à temperatura ambiente.
Na fase analítica, os aparelhos que realizam o exame devem estar validados e calibrados e o monitoramento da calibração deve ser contínuo através da passagem de controles (se possível de 3 níveis, pelo menos uma vez por dia, usando-se um valor alvo obtido no laboratório no lugar do range de bula), média móvel de Bull, repetibilidade de amostras, avaliação pela microscopia etc. O controle da temperatura ambiente, das geladeiras, estufas, banho-maria etc, deve ser sempre monitorado.
Na fase pós-analítica a entrega do laudo deve ser eficiente, evitando trocas, extravios, dentro do TAT laboratorial. Os valores críticos devem ser informados, de imediato, ao médico assistente ou à Enfermagem.
Que ferramentas estão à disposição dos profissionais para assegurar o controle de processo na área?
Diversas ferramentas estão disponíveis aos profissionais para assegurar o controle do processo e a qualidade dos exames. Todos os citados na resposta anterior estão acessíveis a todos os laboratórios. E podemos incluir ainda a calibração de centrífugas, microscópios, pipetas, vidraria etc; o Sistema Integrado de Gestão Hospitalar e Interfaceamento com todo o acompanhamento da chegada, da realização dos exames, das pendências, da liberação, do interfaceamento, dos laudos, dos dados do paciente, da doença; e pelo software e monitor do analisador hematológico com todo o acompanhamento das amostras, dos controles, das ferramentas de monitoramento da calibração, dos reagentes, dos exames que vão para a microscopia etc.
Há diferenças no uso dessas ferramentas quanto ao porte do laboratório?
Acredito que não haja grandes diferenças no uso das ferramentas em relação ao porte do laboratório. Pequenos, médios e grandes laboratórios devem possuir controle interno e externo da qualidade (RDC 302/2005) e segurança em todos os processos (NR-32). É provável que um laboratório de pequeno porte, com analisador hematológico mais simples, não deva ter, por exemplo, a ferramenta média móvel de Bull e se sinta mais inseguro no monitoramento da calibração do aparelho. Por não ter essa ferramenta, terá uma planilha a menos para controlar. Entretanto, deverá aumentar o controle interno através de outros mecanismos de qualidade para substituir essa deficiência. A falta de interfaceamento, sistemas de informática e gerenciamento hospitalar, em laboratórios de qualquer porte, aumenta a necessidade de maior atenção e envolvimento do gestor da qualidade e da equipe de trabalho no sentido dar mais eficiência ao controle dos processos.
Poderia dar exemplo de ações de controle de processos nas fases pré-analítica e pós-analítica fundamentais?
A maioria dos erros laboratoriais ocorre na fase pré-analítica (46 a 68%) e eles podem ser evitados por meio da padronização, monitoramento e controle dos processos de cadastro e coleta. Os procedimentos de coleta devem garantir a qualidade analítica da amostra biológica para o hemograma. A compreensão das informações contidas na requisição médica auxilia no sucesso da coleta. A equipe responsável pela coleta deve garantir as condições préanalíticas relevantes. Dados importantes como gênero, idade, posição do corpo, atividade física, jejum, dieta, uso de drogas terapêuticas, tabagismo, etilismo e condições cronobiológicas devem ser perguntadas e planejadas para o momento da coleta. Sempre que possível, a coleta da amostra para o hemograma deve ser realizada em local silencioso, limpo e separado do restante do laboratório. Os suportes para agulhas e agulhas de diferentes calibres podem ser selecionados de acordo com a veia do paciente. Pode-se usar seringa para a coleta de sangue venoso para hemograma (a preferência é por coleta a vácuo e aos sistemas fechados e seguros). Usar torniquetes (não mais do que um minuto), preferencialmente, descartáveis e livres de látex. Homogeneizar a amostra, por inversão, de 8 a 10 vezes. Transportar a amostra biológica para a área analítica sem grandes trepidações, em temperatura não elevada o mais rápido possível, de forma a permitir que a análise da amostra ocorra em até 6-8 horas, conforme exames selecionados (temperatura ambiente), o tempo de entrega.
Na fase analítica, o controle do processo inclui aparelhos validados, lavagem inicial do aparelho conforme manual do equipamento, passagem dos controles comerciais (pelo menos uma vez por dia), monitoramento da calibração através da repetibilidade de amostras, acompanhamento da média móvel de Bull durante todo o processo, comparabilidade entre dois ou mais aparelhos iguais ou similares que fazem a mesma rotina (quando necessário), critérios de triagem hematológica de lâminas para a microscopia. É preciso ainda ter padronização do esfregaço e da coloração das lâminas, usar corantes e reagentes de qualidade e fazer a leitura das distensões sanguíneas coradas por microscopistas experientes ou através de novos equipamentos de escaneamento e leitura digital.
Por fim, na fase pós-analítica, a liberação dos exames deve ser por interfaceamento quando houver esta ferramenta (evita erros de digitação). Realizar conferência e liberação final do exame por colaborador diferente daquele que realizou o exame. Nessa fase final, é muito importante a entrega ou envio do laudo do exame sem qualquer mínimo erro. Para o paciente, ou para o médico, isso pode implicar em perda de confiança no resultado e no seu valor diagnóstico.
Como a gestão de uma dessas fases pode interferir na outra?
As três fases do processo estão interligadas sequencialmente, uma dependendo da outra. Problemas de cadastro, coleta, transporte, tempo de entrega da amostra podem interferir na fase analítica e pós analítica resultando valores inadequados, suspeitos, sem valor diagnóstico. Normalmente, a fase analítica é a melhor monitorada e gerenciada pelo laboratório. Porém, qualquer descuido de calibração, leitura microscópica ou troca de amostra pode ocasionar grandes erros. O fechamento do processo na fase pós analítica deve ser gerenciado com muito rigor, pois qualquer erro no laudo pode jogar tudo a perder no que foi realizado com qualidade nas fases anteriores e implicar num marketing negativo para o laboratório.
E quanto ao treinamento dos profissionais? Há especificidades nesta área que precisam ser destacadas?
A área de Hematologia tem, sim, suas especificidades. Começando pelos aparelhos que trabalham com sangue total (plasma e células). Nessas amostras as células podem gerar dúvidas de interpretação, tanto para os aparelhos quanto para os microscopistas. O treinamento dos operadores dos equipamentos hematológicos e microscopistas deve ser sempre monitorado. Os parâmetros hematológicos, os alarmes eletrônicos, os gráficos resultantes da análise das amostras devem ser compreendidos pelos colaboradores para que não seja liberado nenhum exame de forma inadequada.
O treinamento da microscopia deve ser feito no dia a dia (e em dias específicos escolhidos pelo laboratório), com casos interessantes, com a participação de toda a equipe. Atlas, internet, lâminas trazidas de outros serviços podem ser utilizadas no treinamento. O gestor da microscopia deve, inicialmente, padronizar e treinar a todos os detalhes celulares, seguindo uma escola hematológica tradicional. Essa padronização morfológica irá ajudar, futuramente, na avaliação dos microscopistas estabelecida no plano de treinamento e avaliação frequente.
Como estamos no Brasil em relação à experiência internacional quanto ao controle de processos em Hematologia?
Melhoramos muito nos últimos anos. Com a conquista de certificações e acreditações de qualidade por diversos laboratórios, a gestão mais profissionalizada de muitos gestores, o advento da RDC302/2005, a NR-32, os programas de ensaios de proficiência, os congressos, encontros e seminários de patologia clínica elevaram a qualidade dos controles dos processos em Hematologia. Hoje, muitos laboratórios brasileiros não deixam nada a desejar, em relação ao controle de processos, em comparação ao exterior. É claro que o caminho é longo e há muito por fazer ainda.
Há especificidades brasileiras a serem atendidas nesta área?
São as distorções nos valores pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), convênios e particulares para exames laboratoriais; distorções cambiais, burocracia etc. Muitos laboratórios ainda enfrentam dificuldades de sobrevivência no mercado brasileiro. As greves e as dificuldades na alfândega brasileira são outro exemplo. A retenção de controles comerciais dificultando o monitoramento da calibração dos aparelhos faz com que o planejamento, o controle dos processos, a qualidade dos resultados possam ficar prejudicados, comprometendo médicos e pacientes. E em relação à gestão de pessoas, gestão de processos, aquisição, controle de estoques, biossegurança, controle e gestão da qualidade, gerência financeira laboratorial, ainda temos poucos especialistas em nosso mercado que atendem a essa demanda.
Quais são nossos maiores desafios? O que precisa melhorar?
A meu ver nossos maiores desafios estão na universidade, na formação, no ensino das boas práticas laboratoriais, no gerenciamento de custos, na aquisição inteligente de materiais laboratoriais e no controle dos estoques. Outro pronto importante que precisamos melhorar é a gestão de pessoas e a contratação de colaboradores comprometidos, com conhecimento prático em Hematologia, principalmente microscopia. Nos últimos anos observamos uma queda brutal do conhecimento de microscopia hematológica. Parece que muitas universidades não sabem mais ensinar (ou ensinam muito mal) esta especialidade. Nos últimos concursos de seleção para nosso setor de Hematologia, poucos candidatos tinham conhecimento de Hematologia e microscopia hematológica.
Entre as boas práticas de controle de processo, onde os laboratórios podem buscar orientação na literatura?
A literatura é rica nesta área. Começamos pelas publicações dos três volumes da Controllab da coleção Gestão da Fase Analítica do Laboratório e as publicações da SBPC/ML para coleta de sangue venoso, Gestão da Fase Pré-Analítica e a Norma PALC 2010. Esses documentos são muito interessantes, de uso técnico-prático e de gestão laboratorial, e já condensam, na nossa língua, boa parte dos protocolos mundiais. Os profissionais podem também consultar diretamente tais protocolos. Os numerosos documentos do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) são extremamente importantes na padronização dos processos técnicos. No site do Dr. James Westgard, em http://www.westgard. com, o leitor encontrará grande quantidade de artigos (lessons etc) sobre qualidade no laboratório clínico, desde as famosas regras múltiplas de Westgard, passando por níveis de decisão médica até o uso da métrica Sigma. Também neste site encontramos artigos importantes sobre Especificações desejáveis para o Erro Total, Imprecisão e Bias derivadas da Variação Biológica (C.Ricos). As recomendações e regras do Clinical Laboratory Improvement Amendments (CLIA) para a qualidade analítica também estão neste site. No site da Controllab, alguns desses artigos do Dr. Westgard são encontrados traduzidos para o português. No site do International Society Laboratory Hematology (ISLH), encontramos orientações para triagem de hemogramas para a microscopia e regras de uso na microscopia. No Check-list do Colégio Americano de Patologistas (CAP), encontramos informações de procedimentos técnicos e de gestão laboratorial. E, por fim, por ser de vital importância para os laboratórios clínicos, recomendo consultar a RDC302/2005 e NR-32 (Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde).
Laboratórios que fazem em sua rotina exames de citologia ginecológica já contam na Controllab com uma importante ferramenta para garantir a qualidade e a confiabilidade de seus laudos de análise. Já está disponível o Ensaio de Proficiência com casos digitalizados também para essa área. O novo serviço chega numa ótima hora: publicada em julho, a portaria nº 1504, do Ministério da Saúde, institui, para laboratórios públicos e privados que atendem pelo SUS, a obrigatoriedade do controle interno e controle externo (o ensaio de proficiência) nessa especialidade. O novo programa digitalizado da Controllab contempla os quatro métodos disponíveis no mercado para exame Papanicolaou, ou preventivo do câncer de colo de útero: o método convencional e os três tipos de método líquido (LiquiPrep, SurePath e ThinPrep).
Desde dezembro de 2011 a Controllab dispõe a seus clientes a digitalização de lâminas em diversas áreas do Ensaio de Proficiência, e com excelentes resultados. Com a digitalização, casos antes restritos pela escassez da matéria-prima – como o da citologia ginecológica – agora estão amplamente disponíveis. (Veja no site da Controllab como funciona esse ensaio de proficiência).
Em vez de receber uma lâmina física – que precisa chegar por meio de uma transportadora – o cliente tem acesso à lâmina no computador, e essa lâmina é igual para todos os participantes do ensaio de proficiência. Com a digitalização, o usuário passa a trabalhar na frente de um computador, analisando uma lâmina escaneada e de alta qualidade, e não mais apenas na frente de um microscópio. Para efeito de comparação, o trabalho é semelhante à navegação no Google Maps. A análise é mesmo similar à do microscópio: é possível “correr a lâmina”, ampliar e reduzir a imagem; o usuário tem escala para medição e grade para contagem.
“A imagem digitalizada facilita muito porque, se o material for escasso, não haveria como disponibilizar para todos os participantes”, explica Adriana Sá, supervisora da Gestão de Serviços da Controllab. “A homogeneidade é um fator muito importante no Ensaio de Proficiência, também garantido nesta forma do programa, para que todos os laboratórios trabalhem com o mesmo material, a mesma contagem, o que permitirá a comparação de resultados”, completa a supervisora, que conta com a colaboração de um grupo consultivo de especialistas no desenvolvimento, na coordenação e na análise dos resultados nas primeiras rodadas do Ensaio de Proficiência na área de citologia ginecológica.
Como nas outras áreas do Ensaio de Proficiência, o laboratório tem três semanas para acessar o caso e responder ao formulário online. Ao fim desse prazo, é feita a análise dos resultados com o grupo assessor da área. O perfil do resultado comentado é divulgado para todos os participantes, e cada laboratório recebe um relatório de avaliação individual com o desempenho naquela rodada.
Com o objetivo de identificar as práticas referentes a ensaios de coagulação que possam impactar os resultados laboratoriais, a Controllab realizou em março deste ano uma enquete com 728 usuários dos seus serviços de controle de qualidade. Foram perguntas relacionadas a temas como verificação e validação de centrífugas, determinação de fatores de coagulação e verificação de resultados alterados.
São atividades de qualidade que estão dissecadas no capítulo “Controle de processo em coagulação”, do terceiro volume da coleção “Gestão da fase analítica do laboratório”, publicado ano passado pela Controllab. O médico patologista Nelson Medeiros Junior, chefe no Serviço de Hematologia, Citologia e Genética do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM/USP), colaborou com esse capítulo e analisou os números. Para ele, os dados encontrados estão dentro das expectativas: “Temos notado um grande aumento da preocupação com a qualidade por parte dos laboratórios em todas as partes do Brasil”, avalia ele.
Se por um lado não há participação em todas as atividades de qualidade citadas no capítulo do livro – no qual são listadas as maiores exigências padronizadas internacionalmente, muitas descritas nos protocolos da Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) – é possível inferir que a maioria dos laboratórios tem alguma atividade que objetiva garantir a qualidade dos resultados dos exames. “Esse é um processo lento, pois envolve uma mudança filosófica dos gestores onde o aumento do custo com a qualidade leva a um retorno a médio prazo, e não a curto prazo”, pondera ele.
Há, porém, alguns números que fazem acender a luz de alerta. Quanto à verificação, por exemplo, entre os laboratórios pesquisados, 24% afirmaram não ter uma sistemática formal de verificação das centrífugas. “Esse é um número que preocupa, pois as centrífugas são utilizadas praticamente por todo o período em que o laboratório está em funcionamento, o que provoca desgaste das peças e perda da qualidade do processamento”, adverte Medeiros. “Todos sabemos que para uma boa gestão dos equipamentos é necessário pensar preventivamente, por isso é importante que, periodicamente, a centrífuga tenha manutenção e calibração”, recomenda.
Quanto à validação das centrífugas, entre os laboratórios entrevistados, 59% afirmaram não possuir sistemática formal. De acordo com o chefe do Serviço de Hematologia, Citologia e Genética do HC, a validação das centrífugas para os testes de coagulação não é uma prática difundida, mas é relevante para garantir que seja produzido um plasma pobre em plaquetas, importante para a qualidade em coagulação.
Ainda na enquete, entre os entrevistados, 32% afirmam não realizar nem verificação nem validação após as manutenções. “Se não realizarmos periodicamente a verificação e a validação das centrífugas não temos como garantir que a qualidade se manteve ao longo do tempo”, explica.
Sobre se são realizadas verificações de resultados alterados antes da liberação do laudo, 93% dizem verificar apenas se o paciente faz uso de medicamentos que possam ter gerado tal alteração. Apenas 14% realizam testes. Esse percentual é considerado insatisfatório pelo especialista da Faculdade de Medicina da USP. “O CLSI recomenda que seja realizado o teste de mistura para os resultados alterados no primeiro exame daquele paciente”, lembra. Ele explica que, em caso de exames alterados de paciente que não faz uso de nenhuma medicação que possa ter influenciado o resultado, os procedimentos recomendados de verificação são de grande ajuda para o médico. “É importante para a qualidade dos resultados, qualidade da informação no laudo final, qualidade da prestação de serviços e satisfação dos clientes”, finaliza.
Todos os números da enquete e o resultado comentado estão disponíveis para os clientes no site da Controllab.
Adriana Sá, Carla Albuquerque e Luiza Bottino – Controllab
Como a norma descreve também os benefícios da análise do sedimento em lâminas coradas, naquela mesma data foi disponibilizado aos participantes um caso de urina no formato digitalizado, obtido a partir de lâminas preparadas tanto a fresco quanto coradas por Sternheimer-Malbin e azul de tolueno a 5%, uma vez que esses são dois dos corantes mais usados. Os clientes tiveram acesso também a uma enquete com sete perguntas, que foi respondida por 1087 usuários do programa. Do caso digitalizado de urina, participaram 651 laboratórios, numa experiência que permitiu a análise comparativa entre as respostas da enquete e resultados reportados no caso. Os números estão na tabela 1.
Embora 18% tenham afirmado na enquete que as lâminas coradas não eram necessárias, e 31% que a coloração gerou dúvidas, a análise comparativa sugere que a capacidade de identificação de cilindro aumenta com o uso da coloração. Tendo como base a presença de cilindro hialino no caso disponibilizado, entre os laboratórios que informaram ter analisado as lâminas coradas, a proporção de identificação do cilindro foi maior (65%) que a dos que analisaram apenas a fresco (57%).
Na lâmina corada, é melhor a visualização de determinados elementos, cujo índice de refração é bastante baixo, como cilindros hialinos. Algumas vezes, a coloração auxilia na identificação de tipos celulares. É importante ressalvar, porém, que tal visualização pode ser obtida com o exame a fresco, desde que realizado com iluminação adequada e analista experiente. Não é possível, no entanto, nos casos avaliados nessa experiência, atestar que esses dois requisitos foram preenchidos. O que os dados mostram é que, sem a coloração, a capacidade de detectar o cilindro hialino é menor.