Ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo. A sociedade precisa se manter nesse tripé e a busca desse equilíbrio é o que chamamos de sustentabilidade. Não há mais dúvidas que cabe a todos nós, aos laboratórios clínicos, inclusive, combater o velho modelo de desenvolvimento que não mais se sustenta, que ameaça não apenas nossos negócios, mas nossas vidas. Não se trata simplesmente de reagir às leis, como ensina a doutora Maria Elizabete Mendes, coordenadora do Núcleo de Qualidade e Sustentabilidade da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É uma oportunidade que se abre agora de agir com cidadania e também – por que não? – obter vantagens competitivas. Porque o futuro já bate à nossa porta e tudo isso nos será cobrado logo ali adiante.
Reciclagem, combate ao desperdício, treinamento, inovação: a sustentabilidade é aliada da eficiência
Os laboratórios clínicos devem encarar as práticas sustentáveis como uma oportunidade, não apenas como uma postura reativa a exigências da legislação ou a pressões externas, defende a doutora em Medicina Maria Elizabete Mendes, chefe da Seção Técnica de Bioquímica de Sangue da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DLC/HC-FMUSP).
O primeiro passo é a eliminação do desperdício», ensina a médica patologista clínica. Para ela, a cultura do descartável precisa ser encarada como coisa do passado. «Atividades de reciclagem, incentivo à diminuição do consumo, controle de resíduo, capacitação permanente dos quadros profissionais, fomento ao trabalho em equipe e às ações criativas são desafios-chave neste novo cenário, elenca a coordenadora do Núcleo de Qualidade e Sustentabilidade da DLC/HC-FMUSP.
Como o conceito de sustentabilidade pode ser adaptado ao laboratório?
Entendendo que a sustentabilidade está diretamente associada aos processos que podem manter-se e melhorar ao longo do tempo, envolvendo questões ambientais, aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais, fica mais fácil adaptar esse conceito à realidade dos laboratórios clínicos. O que nos conduz à necessidade de transformar nosso negócio num modelo de desenvolvimento sustentável para não perder competitividade em curto ou em médio prazo.
Se quisermos manter a função dos laboratórios de contribuírem para a assistência médica nas etapas de diagnóstico, monitoramento de terapêuticas instituídas, estadiamento de patologias ou na triagem de doenças na população, precisaremos nos inserir de maneira mais proativa dentro do ambiente onde atuamos.
Como atender às necessidades do presente sem comprometer o futuro?
Isso significa atuar na conservação do meio ambiente, através do manuseio correto de resíduos sólidos de serviços de saúde, na destinação dos resíduos químicos ou na reciclagem e/ou destruição de embalagens dos produtos laboratoriais usados (os programas de reciclagem estimulam a sustentabilidade).
Esclarecendo-se que se denominam como aspectos ambientais os elementos das atividades do laboratório que podem interagir com o meio ambiente. Definem-se impactos ambientais como as situações onde estes aspectos podem causar quaisquer modificações ao meio ambiente, adversas ou benéficas. Conhecer os aspectos e impactos ambientais de nossa atividade auxilia na gestão, forçando a mobilização interna e externa, para que se constitua um conjunto de medidas visando ter controle sobre o impacto ambiental da atividade laboratorial.
Poderia nos dar exemplos?
Um dos impactos produzidos pelo laboratório é o consumo de energia, do qual ele depende para o seu funcionamento, como a sociedade em geral. Ao quantificar o impacto, podem ser seguidos alguns rumos em termos de ações a serem desencadeadas: aceitar a situação como está no momento da avaliação, elaborar plano de ação para zerar ou mitigar estas ações. Existindo ainda a possibilidade de nada ser feito para alterar a situação vigente e o impacto atual vir a crescer no decorrer do tempo.
A gestão das emissões de gases de efeito estufa e o desenvolvimento de iniciativas de compensação são essenciais para o processo de mudanças climáticas. E como o laboratório contribui para a emissão e ampliação dos níveis de gás carbônico na atmosfera que aumenta a temperatura do planeta? Apenas para citar duas formas: o uso de condicionadores de ar, freezers e geladeiras que emitam clorofuorcarbono (CFC) em sua operação. Acrescente-se, por exemplo, a queima de combustíveis fósseis nos geradores de energia elétrica ou nos veículos que fazem parte da frota que realiza a logística de amostras biológicas entre unidades de atendimento e o laboratório central.
E quais são as consequências?
A presença de contaminantes ou poluição em áreas pode gerar danos à saúde, comprometer a qualidade dos recursos hídricos e restringir o uso do solo desvalorizando propriedades. A destinação indevida de substâncias químicas perigosas utilizadas no laboratório pode ocasionar esse tipo de impacto, caso sejam descartadas nas redes de saneamento (por exemplo: azida sódica – substância inibidora da cadeia respiratória – ou solventes orgânicos). Por isso, é importante fazer a identificação correta, seguindo-se do transporte apropriado para o encaminhamento ao processo de incineração desses resíduos, tendo comprovação e rastreabilidade de todas as etapas deste processo.
Em tempos de escassez de água, como o que vivemos atualmente, a implantação da cultura do uso racional da água e economia de energia elétrica são vitais para a sustentabilidade dos serviços de medicina laboratorial. Evitando-se os desperdícios contribui-se para o não esgotamento dos recursos naturais.
O desenvolvimento e o uso de tecnologias limpas, apropriadas para minimizar ou eliminar resíduos, aliados à capacidade de materializar tecnologias transformadoras, com alto impacto positivo na comunidade local e meio ambiente, aumentando seu potencial de replicação, constituem um corpo de intenções de qualquer laboratório moderno e inserido neste contexto que estamos abordando.
Para não distorcer o conceito do termo sustentabilidade, as lideranças laboratoriais devem agir com cidadania, assumindo postura ética, combatendo a corrupção, procedendo dentro dos preceitos legais, mantendo empregos com colaboradores competentes, sendo solidários e combativos contra as desigualdades. Cabe a todos nós que atuamos nos laboratórios clínicos combater o modelo de desenvolvimento, que ameaça nossos negócios e nossa espécie.
Como equilibrar os aspectos financeiros, ambientais e sociais?
Os instrumentos de gestão sustentável objetivam melhorar a qualidade ambiental e o processo decisório dentro dos laboratórios. São aplicados a todas as fases dos empreendimentos e podem ser preventivos, corretivos, de remediação e proativos, dependendo da etapa em que são implantados.
Quando a direção de um laboratório investe em projetos de estímulo à cultura local, desde as manifestações mais simples até as mais complexas, desenvolvendo políticas culturais que respeitem a diversidade cultural, a defesa do patrimônio e a preservação da memória, promoverá a sustentabilidade cultural na comunidade onde atua. Afinal, a maior parte dos laboratórios brasileiros é de pequeno e médio porte, participam de maneira ativa e contribuem de alguma forma para o desenvolvimento das tradições nas cidades onde prestam serviços.
O laboratório pode e deve estimular a educação ambiental de maneira crítica e inovadora, tornando-a um ato político voltado para a transformação social. Como isto pode ocorrer? Ajudando seus colaboradores a se corresponsabilizarem com esta causa, auxiliando-os a terem condutas ecologicamente corretas e éticas, convidando-os a participarem ativamente do processo de implantação desses conceitos no laboratório. O reflexo desta política é percebido por colaboradores motivados, participantes e comprometidos, o que gera maior produtividade.
Outro grande desafio que a direção do laboratório tem é a redefinição das relações com a natureza e a sociedade e mudança de paradigmas antigos, passando do pensar e planejar para a ação sustentável.
O controle de custos, a redução de desperdícios, de perdas e da ineficiência, o uso racional dos recursos naturais, a seleção de fornecedores que atuem de maneira ecologicamente correta, a regulagem dos equipamentos, a conduta ética, a educação ambiental, o cumprimento de regulamentações, o respeito ao colaborador e o combate à corrupção trazem benefícios financeiros ao negócio.
Outrora a gestão ambiental dentro do laboratório foi vista como aumento de custos do processo produtivo, hoje representam vantagens competitivas e oportunidades econômicas de um gerenciamento responsável dos recursos naturais. Sem consciência ecológica dos dirigentes laboratoriais, não haverá consenso entre os consumidores e a comunidade de negócios. Por consequência, nosso mercado estará politicamente ameaçado. Os laboratórios que adotam esta filosofia têm uma vantagem competitiva diferenciando-se dos demais, construindo sua imagem corporativa dentro destes novos pilares, propiciando a melhor aceitação pela sociedade, refletindo-se em clientes fiéis e em sintonia com este modo de agir, propiciando uma maior participação no mercado.
Como diminuir ainda mais os custos?
O primeiro passo para se conquistar a liderança através dos custos ambientais buscando a vantagem competitiva é a eliminação do desperdício.
As empresas não conhecem o custo da poluição em termos de desperdícios de recursos, de esforços e diminuição de valor para o consumidor. Sugiro o laboratório inspecionar sua produção e verificar gastos com água e energia, poderá então criar formas de controle e redução desses recursos naturais, como mecanismos de redução de impacto que traz ao meio ambiente.
Os custos financeiros do negócio podem ser diminuídos, sobretudo em tempos de recessão. Há bancos que assinaram o chamado «Pacto Verde» e oferecem linhas de crédito específicas para projetos ligados ao meio ambiente com melhores condições, tais como maior prazo de carência e menores taxas de juros.
Creio que ao tratarmos do ciclo das embalagens de madeira poderemos exemplificar como o tripé é aplicável para laboratórios clínicos de tamanhos distintos. Utilizando-se o conceito dos 6 Rs: repensar, reduzir, reciclar, reutilizar, realocar e reparar. As empresas de reflorestamento produzem madeira, cuja matéria prima é transportada para a produção de compensados. As pequenas peças que sobram são reaproveitadas gerando madeira emendada; enquanto o pó de serra, a marvalha (os cavacos) e as peças muito curtas são endereçadas para a produção de biomassa. Há na confecção das embalagens com o acondicionamento dos equipamentos que são entregues em nossos laboratórios. Acontece a logística reversa, com a retirada das embalagens pelo fabricante do equipamento iniciando-se a reutilização de parte do material, sendo outra parte destinada à reciclagem e posteriormente formação de biomassa. A biomassa gerada poderá ser empregada no reflorestamento novamente.
O reflorestamento gera a madeira que é matéria prima para a indústria do papel, onde os cavacos são cozidos, produzindo-se a pasta do papel, que passa por depuração, branqueamento e secagem. Nela as aparas são recicladas. Este papel é introduzido no laboratório sob a forma de folhas ou de embalagens. No processo de reutilização: o verso das folhas pode ser reutilizado para nova impressão, por exemplo. Este papel poderá ser transformado em blocos de rascunho ou ser destinado à coleta seletiva de resíduos sólidos, sendo encaminhado às centrais de triagem de materiais (geralmente organizações sociais que atuam melhorando a qualidade de vida de membros da comunidade onde atuam) para finalmente retornar novamente à indústria recicladora de papel.
Laboratórios grandes e pequenos têm as mesmas condições?
A introdução de práticas ambientais vai originar a redução de custos, via melhoria da eficiência dos processos, redução de consumos (matéria-prima, água, energia), minimização do tratamento de resíduos e efluentes e diminuição de prêmios de seguros, multas, etc. Isto é bom para pequenos e grandes serviços laboratoriais.
Os maiores desafios para qualquer tipo de laboratório estão na avaliação correta dos riscos, dos aspectos e na quantificação dos impactos ambientais. A criação de mecanismos de prevenção, medidas corretivas, de remediação e proativas requerem dedicação, compromisso e trabalho árduo constantemente.
A melhoria de processos une a equipe de trabalho e aperfeiçoa suas competências; propicia a introdução de novas tecnologias mais ecologicamente adequadas produzindo resultados imediatos, seja em serviços de qualquer porte.
Outro reflexo da melhoria dos processos sob o enfoque da sustentabilidade é a redução de custos evitáveis, nem sempre calculados, mas que a literatura aponta que podem chegar até a 30% do faturamento. A redução do custo de falhas devidas a omissões ou a erros também ocorre.
A busca permanente pela eficiência em toda a produção laboratorial desperta a imaginação criadora dos envolvidos e promove as inovações, tanto faz se serviço for pequeno ou de grande porte.
Poderia nos falar sobre os aspectos legais?
A legislação dos efluentes em laboratórios clínicos é abrangente, detalhista e complexa. A começar pela lei nº9605 de 12/02/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Num de seus artigos, declara os crimes ambientais como inafiançáveis, tal a relevância deste assunto.
O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece que «todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras.»
Importante relembrar que efluentes são resíduos líquidos gerados em processos laboratoriais a serem descartados. No Brasil, leis e decretos em nível federal, estadual e municipal regulamentam os parâmetros e limites de emissão de efluentes no meio ambiente. A Resolução Conama 430/11 Art.16 – VMP (federal) dispõe sobre as condições e padrões e diretrizes para a gestão do lançamento de efluentes. Sobre este assunto há varias legislações estaduais e municipais, algumas conflitantes.
Poderia nos dar mais exemplos?
A norma regulamentadora da ABNT NBR 16725:2011 trata de resíduo químico: Informações sobre segurança, saúde e meio ambiente; Ficha com dados de segurança de resíduos químicos (FDSR) e rotulagem.
O Plano de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) traz as diretrizes que visam à gestão ambientalmente correta dos resíduos a serem gerados no laboratório.
A RDC nº 306/2004 da Anvisa dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) é o órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, foi instituído pela Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, regulamentada pelo Decreto 99.274/90. As resoluções do Conama tratam de deliberações vinculadas às diretrizes e normas técnicas, critérios e padrões relativos à proteção ambiental e ao uso sustentável dos recursos ambientais. A Resolução Conama nº 358/2005 dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde.
A Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ) é um documento que contém informações essenciais sobre misturas e substâncias químicas sobre os riscos inerentes aos produtos. A ABNT NBR 14725:2012-Parte 4 regulamenta a FISPQ sua nova versão trouxe regras que entraram em vigor no dia 03/02/2013 para substâncias e em 01/06/2015 para misturas. Enfatizando que as FISPQ’s podem ser utilizadas para desenvolver avaliações de risco, as quais permitem a aplicação de um programa ativo de segurança, saúde e meio ambiente, sendo úteis para treinamentos aos usuários dos produtos químicos do laboratório.
O Gerenciamento de Resíduos é composto por todas as ações de administração de resíduos como: quantificação, classificação, caracterização, identificação, propostas de tratamento, reutilização, reciclagem e busca de valorização, além de estudos de viabilidade para locais de estocagem seguros e de acordo com as normas de segurança existentes e organização do sistema de transportes de resíduos e de disposição final.
A Norma Regulamentadora nº 32 (NR-32/2005) do Ministério da Saúde é fruto da conjugação do pensamento e reivindicações das três esferas mais interessadas no assunto – governo, empregadores e empregados. Trata-se de uma ferramenta de sustentabilidade para o laboratório porque aborda aspectos ligados à saúde e segurança, de maneira específica. Ela fixa como alvo os treinamentos específicos e obrigatórios aos funcionários para que eles saibam dos riscos a que estão submetidos.
A Lei nº 9.433/1997, também conhecida como Lei das Águas, é o instrumento legal que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). Nela a água é considerada um bem de domínio público e um recurso natural limitado, dotado de valor econômico. A lei prevê que a gestão dos recursos hídricos deve proporcionar os usos múltiplos das águas, de forma descentralizada e participativa, contando com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. Também determina que, em situações de escassez, o uso prioritário da água é para o consumo humano e para a dessedentação de animais.
Isto sem falar nos resíduos sólidos e na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, e seu regulamento, Decreto Nº 7.404 de 23 de dezembro de 2010, destacam-se a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Entendendo-se a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos como o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei.
A norma regulamentadora ABNT NBR 10.004/2004 trata de Resíduos Sólidos em sua classificação e identificação.
Há uma variedade de regulamentações e legislações; entretanto, há superposição de temas nas legislações estaduais, federais e municipais. Isso dificulta a sua aplicação pelas equipes dos laboratórios brasileiros porque muitas vezes há conflitos nas abordagens de um mesmo assunto entre elas.
m.mendes@hc.fm.usp.br.
Para tentar esclarecer dúvidas provocadas por uma medida da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que determina o uso de assinatura manuscrita ou com certificação digital nos laudos laboratoriais, representantes do setor têm se reunido com a agência. De acordo com Wilson Shcolnik, diretor de Acreditação e Qualidade da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), os laboratórios ainda não conseguiram compreender quais são as soluções técnicas necessárias para atender ao requisito da RDC 30, que modifica a RDC 302/2005 e dá prazo de 180 dias para os laboratórios se adequarem. O prazo começou a contar em 24 de julho, data da publicação da RDC 30.
No dia 2 de setembro, foi publicada pela Anvisa a Nota Técnica 66, para tentar clarear a questão. Dois dias depois, entidades do setor de laboratórios clínicos se reuniram na sede da agência, em Brasília, e ficou acordada a realização de eventos dirigidos à comunidade laboratorial sobre o tema, com participação da Anvisa e de desenvolvedores de sistemas de informação para laboratórios. Participaram deste encontro, além da SBPC/ML, a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), o Sindhosp/Fehoesp, o Sindilab-MG, a o CFF, o CFBiomedicina e o Departamento de Laboratórios da Confederação Nacional de Saúde (CNS). Os representantes do setor se reuniram com o diretor de Monitoramento Sanitário, José Carlos Moutinho, e técnicos da Gerência Geral de Tecnologia de Serviços de Saúde (GGTES) da Anvisa.
Ainda de acordo com Shcolnik, os laboratórios gostariam de ter um prazo maior para uma melhor adequação. «É preciso considerar também que laboratórios públicos que disponibilizam laudos por meios eletrônicos também deverão se adequar», lembra o diretor de Acreditação e Qualidade da SBPC/ML. Segundo ele, a Anvisa tem se mostrado sensível a essa questão. «Caso sejam apresentadas evidências, poderá adiar o prazo inicialmente definido na RDC 30», afirma ele, que vê um impacto financeiro na medida para os laboratórios. «Só não temos, ainda, uma ideia precisa sobre valores, pois será necessário redesenhar sistemas de informação», explica. “ Os desenvolvedores de sistemas ainda buscam entendimento da RDC 30 e sobre a maneira pela qual as Vigilâncias Sanitárias cobrarão a adequação. Só depois disso poderão iniciar os trabalhos de modificação dos sistemas», completa Shcolnik.
Desde setembro, a Controllab oferece aos participantes do Ensaio de Proficiência para Alimentos um processo que aproxima mais o controle externo da rotina laboratorial. Até então, era enviada aos clientes a bactéria liofilizada para que o laboratório a identificasse; agora começa a ser enviada a matriz (ou seja, o alimento) para que o laboratório realize a análise conforme a rotina, manipulando a própria carne e o leite, que foram as matrizes escolhidas para as rodadas de experimentação.
Ainda dentro da proposta de simular ao máximo a rotina dos laboratórios no Ensaio de Proficiência, a Controllab traz outra novidade: desenvolveu controles externos específicos por matrizes não somente para análises microbiológicas, mas expandiu o programa de forma a contemplar também as análises físico-químicas.
Luiza Bottino, supervisora de Serviços, lembra que desde 2011 a empresa oferece, dentro do programa de Ensaio de Proficiência, o módulo microbiológico genérico para Alimentos, adequado para laboratórios que realizam na rotina análise de qualquer tipo de alimento, independentemente da sua matriz. «Nesse programa, um inóculo liofilizado é encaminhado, sendo reconstituído com solução salina peptonada estéril. São solicitadas as principais análises microbiológicas em comum entre os diversos tipos de alimentos, conforme norma vigente», explica ela.
Após uma enquete com laboratórios e conversas telefônicas, a equipe verificou que a maioria faz análises de carnes e leite. Seguida das matrizes farináceos, ovos e derivados e pescados. Foi assim que foram escolhidos para essa rodada-piloto em 2015 os módulos «Leite e Derivados» e «Produtos Cárneos», enviados respectivamente nos meses de setembro e dezembro.
Para o serviço de microbiologia, todos os módulos têm em comum a análise de bactérias do grupo coliforme – indicadores de contaminação por fezes. Para o módulo específico de leite e derivados, estão disponíveis análises de salmonela, listeria, entre outras bactérias; já o de produtos cárneos conta com até 10 analitos diferentes, entre eles a análise de clostrídios e estafilococos.
Para o serviço de físico-química, por sua vez, são oferecidos os módulos leite em pó, leite fluido (análises quantitativa e qualitativa) e carne. No escopo dos módulos, estão, por exemplo, as análises de gordura, acidez, proteínas, estabilidade ao etanol e densidade a 15°C para os materiais lácteos; e prova de sulfito, nitrito, nitrato e amido para a matriz carne, como explicam a assistente Ana Carolina Oliveira e o analista de serviços Gustavo Grimmer, da área de Serviços da Controllab.
Para todos os participantes, uma das grandes diferenças no processo é o cuidado maior que precisam ter durante a manipulação, uma vez que o uso da matriz facilita a contaminação, alerta a supervisora de Serviços da empresa. Outros provedores já oferecem o uso da matriz, mas Luiza lembra que o grande diferencial da Controllab é o monitoramento continuo do processo, com envio de mais de uma rodada por ano.
Além da área de Alimentos, a Controllab está entrando no mercado de controle de qualidade de água, contemplando ensaios microbiológicos e físico-químicos para água do mar, purificada/injetáveis, potável, mineral, diálise, piscina e efluentes (industriais e domésticos).
A ideia para 2016 é expandir o programa disponibilizando outras matrizes, como exemplo, as utilizadas em medicamentos e cosméticos.
Juliano Aquino – Biomédico e analista clínico no setor de Bioquímica de um laboratório participante da Controllab
Em agosto (especificamente entre os dias 3 e 5) deste ano, verificamos que o laboratório estava com resultados acima da média (aproximadamente o dobro) da bula de Controle Interno de Urina Bioquímica para Proteínas Totais (Urina dosagem lote UDEA 08), disponibilizada pela Controllab, ultrapassando em rotinas e dias consecutivos 3 DP. Tal fato levou o analista a rejeitar os resultados.
Por se tratar do período de caracterização do lote, estávamos utilizando a princípio os valores disponibilizados na bula para o sistema analítico utilizado (Média: 4,2 mg/dL e DP 0,8).
Mediante a divergência de resultados, uma série de investigações foi realizada, iniciando pela verificação da qualidade da água reagente e o cassete reagente (a data de expiração e o lote).
Sem sucesso nesta primeira etapa, a investigação continuou com a realização de novas calibrações. A calibração foi realizada utilizando os calibradores do fabricante do equipamento de forma satisfatória, sem acusar flags (alertas), mostrando que não havia impacto nesta etapa do processo.
Exaustivamente em busca da causa raiz, analisamos a bula do kit reagente e o manual do equipamento, atentando para algumas sugestões, como: realizar as dosagens de bioquímica e urina em série e isoladamente umas das outras e realização de um ciclo de lavagem junto com a desproteinização das agulhas antes do processamento para evitar carreamento das amostras (carry over). A limpeza manual das agulhas, também sugerida, já era uma prática realizada pelo laboratório.
Conforme o livro «Gestão da Fase Analítica do laboratório«, elaborado pela Controllab e disponível em seu site, carry over é um dos testes contemplados na validação de um sistema analítico e consiste no arraste de um reagente de um ensaio inicial a outra reação, contaminando o teste imediatamente seguinte, levando a um aumento da concentração esperada.
As orientações da bula também foram confirmadas pela assessoria científica e técnica do fabricante na tentativa de auxiliar o laboratório. Uma vez colocadas em prática, os resultados do controle voltaram à normalidade.
Uma nova caracterização foi realizada e hoje utilizamos a média estabelecida pelas vinte dosagens internas, que é de 4,7 mg/dL e, como regra de rejeição, as múltiplas de Westgard.
Vale lembrar que o problema não trouxe impacto para o paciente, pois neste período foram terceirizados os exames de Proteínas totais na urina.
Acredita-se que o carreamento não tenha impactado na calibração, pois esta etapa do processo é realizada em um compartimento específico para tal função.
Como forma de registro, um relatório de não-conformidade foi aberto descrevendo o evento indicando o setor que ocorreu; as providências tomadas (providências de contenção) e possíveis causas justificado pelo setor.
Como ação preventiva, o laboratório está em fase de definição interna com o corpo clínico qual deve ser a periodicidade da limpeza geral do equipamento. Por ser comum presença de carreamento na análise de hemoglobina glicada, a prática de análise de forma isolada já está sendo aplicada para esse analito.
A situação enfrentada serviu como um grande aprendizado para nosso laboratório, por mostrar a importância da leitura das informações disponibilizadas em bulas e manuais de kits e equipamentos, etapa que deve ser seguida por todos, uma vez que o uso do controle interno associado com um bom acompanhamento de seus resultados evita custos para o laboratório.
Nosso propósito em relatar o ocorrido foi de compartilhar com demais parceiros laboratórios a nossa experiência e a importância percebida ao utilizar controle de qualidade na rotina.